Embraer tenta jogar para o trabalhador o custo do fracasso com a Boeing

Empresa parte para o segundo PDV em um mês. Sindicato dos Metalúrgicos repudia a oferta e luta pela estabilidade no emprego. Senador Jacques Wagner apresentou projeto de lei de reestatização da fabricante de aviões, estratégica para diversos setores, da defesa à economia

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Trabalhadores lutam contra ameaça de demissão em massa

A Embraer anunciou nesta quinta (30) a abertura de mais um Plano de Demissão Voluntária (PDV) na planta de São José dos Campos (SP). Neste novo plano, serão elegíveis aposentados por tempo de serviço ou funcionários que tiverem 55 anos ou mais de idade, além de trabalhadores em licença remunerada. No início do mês, a empresa já havia aberto um PDV para funcionários em licença remunerada.

Segundo a empresa, a medida foi adotada por causa da crise gerada pela pandemia de coronavírus. Desde março, a fabricante de aeronaves implantou o trabalho remoto integral (home office), deu férias coletivas, suspendeu temporariamente contratos de trabalho (lay-off) e reduziu a jornada de trabalho. A proposta é que o plano dure até a metade de agosto.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos não aprova a proposta. A entidade propôs que a empresa garantisse 24 meses de salários para os trabalhadores que aderirem ao PDV e a estabilidade de emprego para os funcionários que seguirem na fábrica. As duas propostas foram rejeitadas pela Embraer. Além disso, a direção também afirmou que não há interesse em um novo acordo de layoff.

Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos”]Nos últimos três anos, não houve investimentos em projetos de novas aeronaves. A instabilidade vivida pelos trabalhadores e a forma como a empresa é conduzida, voltada exclusivamente para os interesses dos acionistas, mostram que a reestatização é a única saída. Somente dessa maneira é possível garantir empregos e o futuro da indústria aeronáutica do país

Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos

Outra reivindicação do sindicato é que a empresa apresente o número de funcionários que aderiram ao PDV do início desse mês e quantos ela pretende atingir no novo plano. A Embraer não informou esses números e também não informou quanto representaria o PDV em seu caixa. Uma nova reunião entre as partes está marcada para a próxima quinta (6).

“Ao que tudo indica, o interesse da empresa é iniciar um processo de demissão em massa. Por isso, é necessário que os trabalhadores se preparem para a mobilização em defesa dos postos de trabalho”, alerta o sindicato. Para a entidade, o trabalhador não deve pagar pelas estratégias erradas adotadas pela direção da Embraer ao se entregar para a Boeing.

“Nos últimos três anos, não houve investimentos em projetos de novas aeronaves. A instabilidade vivida pelos trabalhadores e a forma como a empresa é conduzida, voltada exclusivamente para os interesses dos acionistas, mostram que a reestatização é a única saída. Somente dessa maneira é possível garantir empregos e o futuro da indústria aeronáutica do país”, conclui o sindicato.

Segundo levantamento do Ilaese (Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos), a Embraer poderia manter todos os seus trabalhadores durante três anos, sem produzir um avião sequer. O Ilaese é um instituto de formação e pesquisa voltado para lideranças operárias e sindicais.

O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), Murilo Pinheiro, também foi sondado pela Embraer, mas rechaçou a iniciativa. “O que eles chamam de PDV é, na verdade, um indicativo de demissão em massa. O que é inaceitável”, critica.

A empresa conta com 16 mil funcionários em suas unidades em todo o país – quatro mil deles, engenheiros. Na unidade em São José dos Campos, são dez mil trabalhadores. “Sabemos da importância da Embraer para a economia e a tecnologia do país. Estamos abertos a dialogar e negociar condições para a manutenção dos empregos da categoria. Mas dar aval ao desligamento de profissionais está fora de cogitação”, reforça Murilo.

Para o senador Jaques Wagner (PT-BA), o processo de fusão fracassado, que precisou do aval do governo brasileiro para ser iniciado, mostrou que o negócio “era ruim desde o início”. Foto: Alessandro Dantas.

Senador do PT propõe a reestatização da empresa

No fim de abril, o senador Jaques Wagner (PT-BA) apresentou ao Senado um projeto para orientar a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em um futuro processo de reestatização da Embraer (PL 2.195/2020).

Segundo Wagner, a proposta nasceu após o rompimento da parceria da Boeing com a Embraer, anunciado em 25 de abril e contestado na Justiça pela empresa brasileira. Para o senador baiano, o processo de fusão fracassado, que precisou do aval do governo brasileiro para ser iniciado, mostrou que o negócio “era ruim desde o início”.

O parlamentar entende que a Embraer, que foi estatal desde sua criação, em 1969, até 1994, é estratégica para o Brasil. Segundo Wagner, a crise que se abate sobre o setor de aviação no mundo cobra, neste momento, uma ação do governo brasileiro para preservar a grande cadeia de negócios em que a empresa atua.

“A Embraer gera 17 mil empregos diretos e cinco mil terceirizados, e é a terceira maior exportadora do país. A crise pela qual passamos escancarou a relevância de articularmos Estado e mercado em esforços para que o país se desenvolva, inclusive na tecnologia. O receituário liberal, de redução do Estado e privatizações, amplia a dependência externa, com implicações na atividade econômica”, apontou o senador na justificativa.

Wagner acrescenta que a Embraer detém tecnologia no desenvolvimento e produção de aviões militares, comerciais, agrícolas e executivos, além de peças aeroespaciais, satélites e equipamentos para monitoramento de fronteiras. Considera, portanto, sua entrega a concorrente estrangeiro como “um risco à soberania” e ao desenvolvimento tecnológico.

Tanto a Embraer quanto a Boeing passam por dificuldades, potencializadas pelo impacto do coronavírus. Na concorrente Airbus, o corte será de 15 mil funcionários, ou 10% do quadro. O governo norte-americano estuda um socorro financeiro à Boeing, que demitirá 16 mil empregados e em abril desistiu da compra da área de aviação comercial da Embraer, frustrando um negócio de US$ 4,2 bilhões (R$ 22 bilhões).

Temer iniciou o processo entreguista

O negócio entre Boeing e Embraer começou a ser costurado em 2017, quando a maior rival da fabricante americana, a europeia Airbus, comprou a linha de jatos regionais C-Series, da canadense Bombardier. O acordo foi fechado no apagar das luzes da gestão do usurpador Michel Temer e ratificado por Bolsonaro no começo de 2019.

“A rescisão do acordo de compra da Embraer pela Boeing é uma reviravolta em uma transação marcada pelo desprezo aos interesses nacionais e dos trabalhadores brasileiros”, avaliou em comunicado o Sindicato dos Metalúrgicos. “A Embraer é um patrimônio nacional estratégico para o país e não precisa de aliança com parceiros internacionais para sobreviver”, aponta a entidade.

A Embraer fechou 2019 com prejuízo líquido de R$ 862,7 milhões. No quarto trimestre do ano passado, as perdas somaram R$ 383,6 milhões, revertendo lucro líquido de R$ 79,7 milhões no ano anterior. Em comunicado divulgado ainda em 26 de março, a empresa informou que iria suspender suas estimativas em relação aos resultados esperados para 2020.

Os resultados do primeiro trimestre da empresa, divulgados em 1 de junho, mostraram que o prejuízo líquido ajustado (excluindo-se impostos diferidos e itens especiais) totalizou R$ 433,6 milhões, e o prejuízo por ação ajustado ficou em R$ 0,59, uma queda de 60% nas ações.

A Embraer também comunicou, em 20 de julho, que entregou menos aviões comerciais e jatos executivos este ano do que em anos anteriores. No primeiro trimestre de 2020, as entregas totalizaram 14 jatos, sendo cinco comerciais e nove executivos. A empresa entregou 17 jatos no segundo trimestre de 2020, sendo quatro comerciais e 13 executivos. Um ano antes, a fabricante de aviões entregou 51 jatos, dos quais 26 foram jatos comerciais e 25 foram jatos executivos.

A empresa disse que sua decisão de colocar funcionários em férias remuneradas em janeiro, para finalizar os detalhes do acordo com a Boeing, foi responsável por uma queda de 23% na receita. Em março, a Embraer novamente afastou os trabalhadores devido à pandemia de coronavírus.

No ano passado, a empresa brasileira gastou R$ 485,5 milhões para separar a unidade de negócios que iria para a Boeing. A separação ainda gerou custo adicional de R$ 97 milhões no primeiro trimestre de 2020. Agora, para reintegrar a aviação comercial, a empresa apela para demissões em massa, que já eram esperadas, mesmo com a entrega à Boeing.

Quando o atual presidente da companhia, Francisco Gomes Neto, teve seu nome anunciado para o cargo, 15 meses atrás, os comentários no mercado apontavam que ele teria como meta tornar a Embraer mais eficiente, o que, no linguajar do mercado, significa demissões.

Antes mesmo de Gomes Neto chegar ao comando da empresa, a consultoria McKinsey foi contratada, em 2017, para reorganizar a Embraer. O diagnóstico da consultoria apontou a necessidade de simplificar a Embraer e eliminar vice-presidências, programa que foi parcialmente cumprido à época.

As mudanças no topo da hierarquia recomeçaram em junho, com a substituição de quatro vice-presidentes e um diretor. Os engenheiros, considerados praticamente intocáveis, agora veem a ala mais ligada aos egressos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) perdendo espaço na cúpula da companhia.

O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, Murilo Pinheiro, afirma que tem acompanhado as discussões de redução de jornada e suspensão de contratos, mas que a entidade optou por não discutir o PDV por considerar a proposta “irrisória”. “Era basicamente uma demissão”, diz Pinheiro.

Com as conversas travadas com o sindicato, a companhia tem, por enquanto, desenvolvido um projeto semelhante ao que a McKinsey havia traçado no passado. Departamentos que haviam sido duplicados, dado que um ficaria na Embraer remanescente e outro iria para a Boeing, estão sendo unificados novamente – o que também abre espaço para demissões.

Parceria com a China afeta submissão aos EUA

A privatização da Embraer, em 1994, concedeu ao governo federal uma “golden share”, pela qual as decisões estratégicas da empresa, como processos de parceria com companhias estrangeiras, precisariam do aval governamental para ocorrerem.

Os principais acionistas individuais da Embraer, que na intimidade do mercado financeiro é conhecida como EMBR3, são os fundos estrangeiros, com 14,4% das ações da companhia, Mondrian, com 10,1%, e Blackrock, com 5%. O BNDESpar, braço de investimentos acionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, tem 5,4%.

O BNDES e um consórcio de bancos privados devem injetar na Embraer US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões), valor corresponde ao buraco estimado no caixa da empresa nos próximos meses. O aporte será feito por meio de títulos de dívida conversíveis em ações e de linhas de crédito de apoio à exportação.

O aporte não será feito apenas pelo BNDES, mas também pelos bancos privados. É uma maneira de dividir o risco das operações. Ainda não se sabe qual será a fatia dos bancos no capital acionário da empresa no final do negócio.

A Embraer agora busca parcerias. O presidente-executivo, Francisco Gomes Neto, diz que ainda é cedo para discutir essas oportunidades, pois a empresa está estudando um novo plano de cinco anos. Ele acrescentou que as parcerias podem envolver produtos, engenharia e produção e países como China, Índia “e outros”. A agência de notícias Reuters informou que China, Rússia e Índia estavam sondando a Embraer.

A hipótese de um acordo com uma empresa chinesa foi levantada publicamente pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Mas há empecilhos. “No momento, não há muito clima para uma parceria com uma estatal chinesa, muito menos para uma venda a eles. A principal questão é, sim, sobre soberania e transferência de tecnologia”, disse um militar de alta patente à consultoria de investimentos Suno Research.

Segundo outro militar de alta patente, as reticências ao negócio da aviação são parecidas com o que ocorre em relação à presença chinesa no leilão da tecnologia 5G, com uma disputa entre Huawei e AT&T.

“Nós temos uma disputa global ocorrendo. Se entregarmos o comando dos jatos da Embraer aos chineses, qual poder de negociação teríamos?”, disse o militar. “É uma disputa como no 5G. Os americanos fazem lobby contra os chineses e, por outro lado, os chineses querem estar em locais onde antes era apenas dos americanos. Só que, no momento, inclinamos nossa política a um dos lados”, revelou.

Há também um problema político que dá contornos a qualquer negociação. Bolsonaro e seus filhos já se posicionaram diversas vezes contra a presença chinesa no Brasil. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, inclusive, já se envolveu em diversas polêmicas com representante chineses no país. “Qual seria o discurso do governo brasileiro ao vender a Embraer aos chineses?”, questiona uma das fontes.

A ressalva militar, contudo, não é exclusividade de um negócio com a China. Antes da parceria com a Boeing, houve resistência por parte dos militares com a aprovação do negócio, muito por causa da área militar da Embraer. A oposição só foi quebrada, em partes, após o acerto do projeto KC-390, que tinha controle da Embraer, com 51%, e do Super-Tucano, que ficaria exclusivamente sob controle da brasileira. Em um negócio com os chineses, essas áreas também deveriam ficar de fora.

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