Fabricantes de tubaína repudiam declarações de Bolsonaro

Entidade que reúne mais de 100 indústrias de bebidas regionais deplora “piada de mau gosto” do presidente e diz que ele devia suspender farra fiscal para multinacionais e usar impostos para combater a Covid-19

O repertório de frases inapropriadas, cínicas e ofensivas do presidente Jair Bolsonaro é interminável. Afinal, basta apelar aos instintos mais baixos de nosso cérebro reptiliano. As reações contrárias se multiplicam no mesmo ritmo, mas com o apelo da razão. Dessa vez, foi a Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras) a chamar de “piada de mau gosto” a cretina declaração desta terça (19) em uma live, dizendo que “quem é de direita toma cloroquina; quem é de esquerda, tubaína”.

A entidade, que representa mais de 100 indústrias de bebidas regionais no Brasil, entre as quais os produtores de tubaína, lembrou que, no mesmo dia, o Brasil registrava pela primeira vez mais de mil mortes por coronavírus em 24 horas, e pregou que o governo ”em vez de politizar o uso do medicamento, deve acabar com as regalias fiscais milionárias concedidas a multinacionais de bebidas na Zona Franca de Manaus”.

A entidade argumentou que vários hospitais ou leitos de hospitais de campanha poderiam ser construídos com o dinheiro da farra fiscal. “Se o presidente Bolsonaro, de fato, se preocupa com o Brasil, agora é a hora de acabar de vez com a concessão de benefícios tributários para multinacionais na Zona Franca de Manaus (ZFM) e reverter o dinheiro para o combate ao coronavírus”, defendeu o presidente da Afrebras, Fernando Rodrigues de Bairros.

Bairros argumenta que Bolsonaro pode revogar o Decreto 10.254/2020 e, com isso, dobrar, de junho a novembro, o valor do crédito tributário de 4% para 8% sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) pago por multinacionais de bebidas, como Coca-Cola, Ambev e Heineken. O IPI é um imposto com repartição constitucional entre estados e municípios via FPE (Fundo de Participação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

Menos regalias

“A revogação do decreto poderá representar uma economia de quase R$ 2 bilhões aos cofres públicos”, destacou o líder, mencionando denúncias de que até a publicidade dessas corporações de bebidas é paga com dinheiro público. Segundo ele, os recursos podem minimizar a crise da União, dos estados e dos municípios.

“Assim, prevendo o risco de grande período de recessão econômica e grave crise financeira que encontraremos nos próximos meses, como desfecho da paralisação industrial que temos visto devido à Covid-19, todos os entes da Federação poderão ter mais recursos para poderem enfrentar esse momento de tamanha dificuldade”, afirma a nota da Afrebras.

Segundo a entidade, quanto maior a alíquota do IPI para a fabricação de concentrados e xaropes utilizados na produção de refrigerantes das multinacionais, maior o benefício fiscal e menos imposto pago. Isso ocorre porque o valor do IPI da produção dos xaropes e concentrados gera um crédito tributário deduzido do IPI a ser pago em outras etapas de fabricação dos refrigerantes das grandes corporações, como o envasamento.

O presidente da Afrebras explica que os benefícios fiscais são ainda mais generosos para os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, pois eles têm isenção do pagamento de IPI, qualquer que seja a alíquota.

As empresas que adquirem os xaropes, em sua maioria localizadas fora da ZFM, mantêm um crédito tributário equivalente à alíquota do IPI, como se ele tivesse sido pago. Assim, podem reduzir o preço final dos produtos às custas de menor arrecadação fiscal, competindo deslealmente com fabricantes regionais e de menor porte.

Bairros reforçou que Bolsonaro deve parar, urgentemente, de beneficiar multinacionais de bebidas instaladas na ZFM, que “não pagam um real de imposto ao governo brasileiro”. Segundo ele, outra medida importante seria o fim da redução de 75% da base de cálculo do Imposto de Renda dessas empresas.

O líder da entidade lembrou que boa parte das fábricas regionais está se mobilizando para fazer doações de alimentos e álcool em gel a comunidades pobres, no esforço para reduzir os impactos da crise. Só no Brasil, existem pelo menos 25 marcas de tubaína em produção no atual momento, segundo a Afrebras.

Insinuação de tortura

Ao mencionar a tubaína como uma “bebida da esquerda”, Bolsonaro se referia a um refrigerante de baixo custo e popular que começou a ser produzido em São Paulo há mais de um século. Nascido no noroeste do estado, ele já havia demonstrado familiaridade com o termo em outra ocasião.

Foi em 21 de dezembro do ano passado, quando, reunido com repórteres, manifestou desconforto com informações divulgadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em relação ao esquema de lavagem de dinheiro que envolveria seu filho senador, Flávio Bolsonaro.

Em uma tentativa de se desculpar com um repórter que na véspera teria dito ter “uma cara de homossexual terrível”, conseguiu reunir a palavra “tubaína” a uma expressão comum entre os torturadores dos tempos de ditadura.

“Para quem que eu falei que era terrivelmente homossexual? Não está aqui hoje? Manda um beijo para ele. É igual futebol: ali na frente, de vez em quando, você manda seu colega para a ponta da praia. Depois vai tomar uma tubaína com ele”, falou, em uma mais uma tentativa de chiste. Um ano antes, a uma semana da eleição, Bolsonaro prometera ao seu rebanho que enviaria “a petralhada” para a “ponta da praia”.

O professor de história da UFRJ Carlos Fico, especializado na ditadura militar brasileira, explica que o termo ponta da praia é uma referência à base da Marinha da Restinga da Marambaia, na região Leste do Rio de Janeiro – onde nasceram as milícias cariocas. Com o tempo, a expressão tornou-se uma gíria entre militares para designar os pontos clandestinos onde eles promoviam interrogatórios com tortura e eventual morte.

Da Redação

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