Fotógrafas: a perspectiva de gênero no registro da história

Na luta contra o estereótipo e por mais representatividade, fotógrafas estão nas ruas fazendo todo tipo de registro e construindo as próprias narrativas

Da Redação, Agência Todas

A desigualdade de gênero no ramo da fotografia repete o cenário de muitas profissões historicamente consideradas “masculinas”. Menos de 20% dos profissionais atuantes são mulheres, segundo relatório da World Press Photo.

No ramo do audiovisual, o problema se estende não apenas pela inserção, mas também pela remuneração. A Ancine (Agência Nacional do Cinema) mapeou o perfil do emprego no audiovisual entre os anos de 2007 e 2015: as mulheres ocupam 40% dos cargos no setor e, em 2015, elas receberam em média 13% menos que os homens. Ainda segundo a Ancine, em 2016, 20,3% dos filmes lançados no país foram dirigidos por mulheres, porém metade dessas produções são documentários, o que aponta para uma presença feminina em filmes de menor orçamento.

Em um artigo publicado em 2016, Nina Tedesco, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), revelou que apenas 4% dos longas brasileiros de ficção lançados entre 1984 e 2014 foram fotografados por mulheres.

No gráfico abaixo , publicado pela ADF (Autores de Fotografia Cinematográfica da Argentina), é possível constatar que a desigualdade no setor de fotografia é uma realidade não apenas no Brasil, mas também nos países da América Latina.  

Além da falta de espaço para mulheres no ramo, as fotógrafas ainda enfrentam estereótipos relacionados às áreas de atuação consideradas “femininas” — tais como acreditar que mulheres são mais indicadas para produzir imagens familiares ou relacionadas à maternidade como ensaios de recém-nascido, de família ou de gestante.

Essa lógica é reflexo de uma sociedade patriarcal que, mesmo quando as mulheres acessam determinados espaços considerados masculinos, a elas são destinadas apenas funções específicas que estejam relacionadas direta ou indiretamente à reprodução ou cuidado.

Na contramão desse pensamento, mulheres fotógrafas vêm fazendo história com destaque em diversas áreas da fotografia como jornalismo, guerra, esportes e publicidade. Longe de colocar a “sensibilidade” como um atributo apenas feminino, o olhar das mulheres pode ser lancinante e revelar muito mais sobre o sistema que vivemos do que a sociedade consegue aparentar.

O exemplo histórico dessa característica marcante da importância do olhar das mulheres é a obra de Dorothea Lange (1895 – 1965), nova-iorquina, um dos nomes mais importantes do fotojornalismo mundial. Ela é autora de imagens documentais e impactantes do período da Grande Depressão norte-americana no final dos anos 20. A sua obra mais marcante “Mãe Migrante” é considerada até hoje um dos grandes clássicos da fotografia.

Provando que fotógrafa pode atuar no ramo que desejar, Margaret Bourke-White (1904 – 1971), foi a  primeira mulher correspondente de guerra em áreas de combate e uma das mais importantes precursoras na fotografia mundial. Primeira fotógrafa estrangeira a ser autorizada a registrar o território soviético, ela fez história com imagens do front da Segunda Guerra Mundial e da Grande Depressão americana.

 

NEW YORK, EUA. Fotógrafa Margaret Bourke-White busca um ângulo para fotografar em cima do Edifício Chrysler Building.

 

Na categoria Natureza, Annie Griffiths Belts (1953) se consagrou como uma das maiores fotógrafas da NatGeo. Viajou por mais de 150 países e realizou registros inspiradores de diversas formas de convivência e realidades em todo mundo, além de atuar em causas sociais e humanitárias.

Trabalhadoras paquistanesas em trajes sociais mesmo durante a labuta

 

 “Onde estão todos os fotógrafos negros?”, essa foi a pergunta que Deborah Willis fez à sua professora na Universidade de Artes da Filadélfia, nos anos 70. Instigada pela falta de representatividade no setor e determinada em pesquisar as histórias ausentes, Willis iniciou uma carreira que já soma quatro décadas de atuação em fotografia.

 

Hoje, ela é presidente do Departamento de Fotografia e Imagem da Tisch School of the Arts da Universidade de Nova York, e passou pela Harvard e Fundação MacArthur. Ela ganhou dois prêmios NAACP Image Awards para Outstanding Literary Work, é vencedora do International Center of Photography Infinity Award por Redação e foi eleita entre as 100 Pessoas Mais Importantes da Fotografia pela revista American Photography.

 

 

No Brasil, Gioconda Rizzo nasceu em 1897 na cidade de São Paulo e se consagrou como a primeira fotógrafa brasileira reconhecida pelas suas obras. Ela começou a fotografar aos 14 anos e abriu seu próprio estúdio em 1914. A fotógrafa gostava de fazer retratos que eram incomuns na época: enquadravam apenas do ombro para cima, quando o comum era fotografar os modelos de corpo inteiro.

Outro destaque brasileiro é Nair Benedicto (1940) que começou seu trabalho na faculdade e atua com fotografias de indígenas e trabalhadores sem terra. Ela Documentou a situação da mulher e da criança na América Latina pela UNICEF em 1988 e 1989. Tem fotos publicadas nas principais revistas nacionais e internacionais, assim como no acervo do MOMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), no Smithsonian de Washington, no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Foi reconhecida com o Prêmio Trip Transformadores 2010 e foi a fotógrafa homenageada no Foto Fest POA 2012, além de muitos outros prêmios.

‘Selfie’ de Nair Benedicto

 

NO FRONT DA RESISTÊNCIA

Na esteira dessa trajetória, as fotógrafas petistas seguem fazendo história e ocupando as ruas para registrar os acontecimentos a partir da perspectiva das mulheres. Mais do que o olhar de gênero, as lentes da realidade tomam outra proporção e outras prioridades quando o protagonismo feminino é efetivamente exercido.

Uma foto nunca é apenas um registro visual, mas conta uma história de luta e resistência tanto daquela que clicou quanto daquela em que aparece.

 

Michele Guimarães, do Rio de Janeiro, tem 25 anos, é fotógrafa documental e militante feminista lbgtqi+ da Juventude do PT. “Trago meu trabalho para ajudar a contar a história e na tentativa de aproximar pessoas, estourando bolhas e mostrando diferentes sentimentos e realidades. Juntas somos mais fortes.

 

Dilma Rousseff pela fotógrafa Michelle Guimarães

 

Nívea Magno é fotógrafa na Secretaria de Mulheres de Minas Gerais e conta as histórias por detrás de cada um dos registros.

 

Marcha das Margaridas, 2019, Sandra clicada pela fotógrafa Nívea Magno

 

[ Marcha das Margaridas em 2019, Brasília] Sandra é militante do PT em Juiz de Fora, viajamos juntas para o ato. Uma mulher forte, simples e humana. Uma figura inspiradora. A foto é logo após o almoço e antes de voltarmos para Minas Gerais, depois de dias mágicos com tantas mulheres incríveis. — Nívea Magno

 

 

 

Essa foto traz em si uma forte potência. No ato deste ano (2020), na periferia de Belo Horizonte, durante a hora da organização da Marcha que sairia, duas moradoras da comunidade Pedreira Padre Lopes, observavam a movimentação de outras mulheres que sairiam para a caminhada. Olhares atentos e curiosos:uma delas pediu a placa onde se dizia: SILENCIADAS NUNCA MAIS’, entreguei e logo em seguida fiz o registro. Embora tímidas, aceitaram se deixar retratar. —  Nívea Magno 

 

Os relatos que acompanham cada um dos registros, principalmente em atos de mulheres, estão espalhados por todo país.

No Rio Grande do Norte, a fotógrafa Rayssa Aline busca romper o padrão de beleza branco considerado “universal” e, em suas obras, visa instigar a reflexão para o combate ao racismo estrutural — que não reconhece a beleza negra, que controla os corpos e mentes das pessoas. Dessa determinação, surgiu o projeto de valorização da beleza negra na Comunidade quilombola Negros do Riacho situada no município de Currais Novos/RN.

Garota da Comunidade Quilombola Negros do Riacho, no RN, clicada pela fotógrafa Rayssa Aline

 

Meninas negras não são bonitas? […] Meninas que costumam amarrar seus cabelos alisando com a mão ao máximo afim de deixá-los rente ao coro cabeludo e meninas que tem seus cabelos quase raspados para não serem “feias” foram convidadas a soltá-los, disponibilizado turbantes e cores. Essa foto carrega mais do que beleza. O que ela levou para você? — Rayssa Aline

 

Regiany Nascimento é de Belém do Pará e fotografou momentos marcantes da luta das trabalhadoras como o trancaço na Avenida Almirante Barroso, uma das principais vias da capital Belenense. Na foto, Euci Ana, presidenta da CUT Pará, assume a liderança e a resistência desse ato, enquanto tremula a bandeira.

 

Greve Geral no Pará, pela fotógrafa Regiany Nascimento

 

 Na foto abaixo, do Dia Internacional da Mulher, em Belém do Pará. No microfone, no meio da multidão, Euci Ana, presidenta da CUT Pará discursa rodeada de mulheres no final do trajeto da caminhada, na Praça da República. 

 

Presidenta da CUT, Euci Ana, é clicada pela fotógrafa Regiany Nascimento

 

 Ainda nos registros de mulheres em luta, Polianna Uchoa é do PT Ceará,  atua na comunicação da Juventude do PT e diretora do Sindicato de Jornalistas. Ela traz a foto de Thainá Duet no 1º de maio de 2019 em Fortaleza.

 

Primeiro de maio em fortaleza. Thainá Duarte é clicada pela fotógrafa Polianna Uchoa

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