Haddad: ‘Democracia em Vertigem’ suscita dúvidas sobre o futuro

Em sua coluna na Folha de S. Paulo, ex-ministro prefeito de São Paulo e ministro da Educação dos governos Lula e Dilma faz análise do documentário de Petra Costa

Ricardo Stuckert

Haddad: "O antipetismo, em alguma medida, é também fruto do desejo de que uma polarização entre direita e extrema direita se estabeleça como garantia de que as estruturas socioeconômicas do país não se alterem"

“Democracia em Vertigem”, filme de Petra Costa, utiliza uma inovadora técnica de condensação. O que bem poderia ser assunto de uma série é tema de um único longa-metragem. Com flashbacks de momentos da nossa história mais remota, o filme encadeia, sem grandes pretensões analíticas, cada um dos inúmeros episódios que marcaram a vida nacional no período 2013-2018.

A profundidade vem da sequência. Um episódio se explica pelo seguinte e assim por diante. O efeito é asfixiante. A narrativa é sóbria, mas sem concessões. A arriscada estratégia de entrelaçar eventos históricos com vida pessoal soa natural. Algumas tomadas até parecem retiradas de filmes caseiros. Filha de militantes de esquerda e neta de empreiteiro, a diretora dialoga com um sentimento que perpassou a vida de famílias da sua provável audiência.

Ao final, a dúvida sobre as reais possibilidades de superação diante do descalabro. Bolsonaro continua emitindo sinais de que desconhece a democracia; ou de que a despreza. Numa briga de gente grande, Trump informou o norte-coreano Kim Jong-un que tinha um botão nuclear maior do que o dele. Bolsonaro, sempre atento ao macho alpha, imitou-o em escala própria: disse que tinha uma caneta mais poderosa do que a de Rodrigo Maia.

Na ocasião, afirmou que governaria por decreto, como tem feito. Sobre armas, o governo já editou sete decretos. Alguns ilegais. Conselhos de participação social, criados por lei, também foram extintos por decreto. O ímpeto autoritário foi parcialmente contido nos dois casos, pelo Senado e pelo STF, respectivamente Em outro caso, inconformado com decisão do STF que criminaliza a homofobia, Bolsonaro afirmou que indicaria à corte suprema um evangélico.

Em 2017, já demonstrava nenhuma familiaridade com princípios republicanos, ao afirmar que, com ele, não tinha “essa historinha de Estado laico” (sic) e que as minorias teriam que se curvar para as maiorias. Outras esferas sociais vão sendo afetadas. Lideranças sociais, desde sempre perseguidas por jagunços e milicianos, agora são alvo de prisões arbitrárias sem fundamento legal.

A extrema direita não tem poupado sequer jornalistas conservadores, intimidados ou demitidos não por sua atuação profissional, mas pela demora em ajustarem-se aos novos tempos. Não é da natureza da extrema direita mover-se nos marcos da institucionalidade. “Democracia em Vertigem” revela um processo de debacle resultante não de um “coup d’État” clássico, mas de uma sucessão de casuísmos e arbitrariedades que corroem as instituições por dentro e nossa capacidade subjetiva de reação.

Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.

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