Inflação explode para os pobres e desigualdade bate recorde no país

É a primeira vez que a pesquisa da FGV Social registra renda média per capita abaixo de R$ 1 mil. Inflação dos mais pobres é quase o dobro da dos mais ricos

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Mais pobres pagam conta da crise

A pesquisa ‘Bem-Estar Trabalhista, Felicidade e Pandemia’, divulgada nesta segunda-feira (14) pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), confirma o que as ruas já sabem: a desigualdade atingiu nível recorde no Brasil, a reboque da queda de renda generalizada. No primeiro trimestre de 2021, a renda média per capita desabou para R$ 995, ou 11,3% a menos que no mesmo período de 2021.

Além do menor patamar da série, iniciada no quarto trimestre de 2012, é a primeira vez que a renda fica abaixo de R$ 1 mil. Já a desigualdade é medida pelo Índice de Gini. Nessa escala, igualdade de renda é igual a zero. Quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade. Quanto mais alto o indicador, piores são as condições socioeconômicas.

No primeiro trimestre de 2020, início da pandemia do coronavírus, o índice estava em 0,642. Subiu para 0,669 no quarto trimestre de 2020, e no primeiro trimestre deste ano alcançou a marca de 0,674, a maior da série analisada.

“A literatura considera este movimento um grande salto de desigualdade”, aponta o estudo assinado por Marcelo Neri, diretor do centro de estudos. Para ele, o primeiro trimestre de 2021 pode ser considerado “o pior ponto da crise social”.

Segundo o economista, indicadores objetivos de performance trabalhista, como desigualdade e bem-estar baseados em renda per capita do trabalho, apresentam queda inédita na pandemia. A crise sanitária agravou um quadro social que já preocupava: o aumento da desigualdade, consequência direta da recessão de 2015 e 2016 fomentada pelos derrotados em 2014.

“A situação piorou agora. A pandemia veio em um momento de fragilidade trabalhista. O resultado é pior do que uma década perdida. Andamos para trás. O bolo de renda diminuiu, e diminuiu mais para os mais pobres”, frisou Neri. “Em suma, a perda de ocupação (desemprego e participação trabalhista) foi o principal responsável pela queda de poder de compra médio dos brasileiros.”

O levantamento analisa microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os cálculos levam em conta a média móvel de quatro trimestres. Sem a média móvel, enquanto a renda média geral caiu 10,89% no período de um ano, a metade mais pobre teve uma perda de 20,81%.

“Desigualdade bate recorde na pandemia e renda média despenca ao menor patamar da série. É sobre isso que falamos quando questionamos a dita recuperação da economia bradada por Guedes e Bolsonaro. Crescimento para quem? Como diz Maria da Conceição Tavares, ninguém come PIB”, resumiu em postagem no Twitter a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).

PIB cresce, mas consumo das famílias cai

O ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, voltou a dizer, na última terça-feira (8/6), que as projeções de crescimento econômico deste ano estão sendo revisadas para cima. Mas Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), segue o raciocínio da deputada petista.

Segundo ele, o crescimento acima do esperado do Produto Interno Bruto (PIB), de 1,2% entre janeiro e março, em relação ao quarto trimestre de 2020, não gerou ganhos para a maioria da população.

“Como há muitas pessoas procurando emprego, isso diminui as pressões salariais. Isso faz com que a gente tenha uma trajetória da renda do trabalho provavelmente bastante ruim para os trabalhadores por muito tempo”, explicou para a ‘BBC News Brasil’. “Há também o fato de que as empresas não estão reajustando salários acima da inflação pela própria situação delas, em decorrência da crise”, prossegue o economista

O boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe-USP), mostra que, de janeiro a abril deste ano, 61,6% das negociações salariais coletivas resultaram em reajustes abaixo da inflação. Um total de 25,4% dos acordos repôs a alta de preços e apenas 13% das negociações resultaram em reajustes acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

“Choques transitórios muito fortes, mesmo que durem um curto período de tempo, podem ter um impacto permanente, de modo que podemos ter um efeito de longo prazo, em que não vamos conseguir retomar, pelo menos não na velocidade esperada, a situação do mercado de trabalho da população mais afetada, que foram os informais e os mais vulneráveis em geral”, enumerou Duque.

“Provavelmente não voltaremos rapidamente ao nível anterior à pandemia, porque geralmente, quando há um choque tão grande, ocorrem perdas não transitórias, com pessoas que talvez nunca voltem à renda anterior delas, que talvez nunca voltem a procurar emprego ou nunca mais encontrem uma vaga”, prosseguiu o economista.

Segundo Duque, o efeito macroeconômico desse processo está evidenciado no PIB do primeiro trimestre, quando o consumo das famílias registrou queda de 0,1% em relação ao quarto trimestre do ano anterior e recuo de 1,7% na comparação com o primeiro trimestre de 2020.

Inflação dos mais pobres é quase o dobro da dos mais ricos

A aceleração da inflação é um outro fator importante. Por conta dela, os reajustes nominais não têm sido capazes de contrapor a variação dos preços”, finalizou Duque. Dados divulgados nesta segunda (14) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que a inflação dos brasileiros mais pobres na passagem de abril para maio é quase duas vezes maior que a dos mais ricos.

O Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda registrou uma aceleração da pressão inflacionária em todas as faixas de renda. No entanto, a pressão foi maior entre as famílias mais pobres, com renda domiciliar inferior a R$ 1.650,50: a variação dos preços passou de 0,45% em abril para 0,92% em maio.

Entre as famílias de renda mais alta, que recebem mais de R$ 16.509,66 mensais, a inflação saiu de 0,23% em abril para 0,49% em maio. Entre os de renda média alta, com rendimento domiciliar mensal entre R$ 8.254,83 e R$ 16.509,66, a inflação acelerou de 0,20% para 0,75% no período. A inflação acumulada em 12 meses foi de 8,91% para as famílias mais pobres, bem acima dos 6,33% observados no segmento mais rico.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 0,83%, recorde para o mês, foi puxado pela alta nos preços de bens e serviços administrados. O avanço nos custos da habitação gerou uma contribuição de 0,42 ponto porcentual para a inflação da mais baixa renda, o equivalente a 46% de todo o aumento de preços percebido por esse segmento de renda em maio.

Os reajustes na energia elétrica (5,4%), tarifa de água e esgoto (1,6%), gás de botijão (1,2%) e gás encanado (4,6%) pressionaram especialmente o orçamento das famílias mais pobres. Também houve pressão dos aumentos da gasolina (2,9%), etanol (12,9%) e gás veicular (23,8%).

O relatório de mercado Focus desta segunda projeta que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terminará 2021 em 5,82%. É o décimo aumento seguido sobre a previsão do indicador. Há uma semana, esperava-se inflação de 5,44%. Há um mês, de 5,15%. E assim Guedes vai perdendo totalmente o controle sobre a economia real.

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