Isolado, bolsonarismo insiste em desafiar e conflagrar o país

Apoio se reduz até entre conservadores. “Governadores precisam fazer grande frente democrática e organizar atos públicos em defesa da Constituição”, afirma Gleisi Hoffmann

Jair Bolsonaro manteve posição no jogo antidemocracia na manhã desta terça-feira (24). No tradicional encontro com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, sacou um tema recorrente – o (não) uso da máscara contra o coronavírus – para se esquivar do assunto. Também não respondeu ao apelo dos governadores pelo diálogo, feito na segunda (23). Mas até entre grupos conservadores cresce a reação a suas ameaças.

Desde a última sexta-feira (20), quando ele apresentou o pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a tensão se elevou entre os Poderes e nos estados. Na segunda, Bolsonaro insistiu na suspeição do processo eleitoral em entrevista à Rádio Regional, de Eldorado (SP). Também voltou a dizer que participará dos atos golpistas do 7 de Setembro em Brasília e São Paulo.

Bolsonaro defendeu ainda os militantes de seu “exército” que se tornaram alvo de investigações, dizendo que as prisões do deputado afastado Daniel Silveira (PTB-RJ), do blogueiro Oswaldo Eustáquio e do presidente do PTB, Roberto Jefferson, são uma “caça às bruxas”. E falou em “não aceitar passivamente” as decisões do Supremo.

Em resposta, no mesmo dia a ministra Cármen Lúcia manteve a decisão da CPI da Covid de quebrar os sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). “O cenário descrito apresenta inegável relevância no interesse de esclarecimentos em benefício da sociedade. Há de serem aclarados os fatos investigados, os quais se vinculam diretamente aos objetivos da Comissão Parlamentar de Inquérito”, decretou a magistrada.

Bolsonaro terá um grande palanque nesta quarta-feira (24), quando falará durante a solenidade pelo Dia do Soldado, no Quartel General (QG) do Exército. Como a Força não promoverá desfile no Dia da Independência, esta será a última oportunidade de se manifestar diante das tropas, após o fiasco do desfile de tanques da Marinha na Esplanada dos Ministérios. A fala pode ganhar contornos de convocação geral para os atos que as falanges bolsonaristas estão organizando pelo país para o 7 de Setembro.

Alarmados com as manifestações cada vez mais eloquentes de insubordinação nas polícias militares, os governadores enviaram ofícios para Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do STF, ministro Luiz Fux, convidando para uma reunião antes do feriado.

“O objetivo é demonstrar a importância de o Brasil ter um ambiente de paz, de serenidade onde possamos garantir a forma de valorização da democracia, mas principalmente criar um ambiente de confiança que permita atração de investimentos, geração de empregos e renda”, disse o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), em entrevista depois da reunião.

Diálogo impossível

O clima entre os mandatários dos estados, no entanto, era muito mais de descrença em resultados dessa tentativa de conciliação, a não ser demonstrar que pelo menos tentaram algum diálogo com o chefe do Executivo federal.

“Governadores pedem reunião com Bolsonaro para redução da crise entre poderes. Bolsonaro ñão é do diálogo, só entende uma linguagem, enfrentamento. Governadores precisam fazer grande frente democrática e organizar atos públicos em defesa da Constituição. #ForaBolsonaro”, postou na manhã desta terça a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, em seu perfil no Twitter.

Em editorial publicado nesta terça, a Folha de São Paulo compartilhou de posição semelhante. “Crescem as tensões em torno dos atos relacionados ao feriado do Dia da Independência, enquanto o presidente da República se mantém empenhado no conflito institucional e manifestações extremistas de seus seguidores vêm à tona”, comentou o texto.

“Já o mundo político ainda hesita em uma resposta mais dura aos arreganhos bolsonaristas… Percebem-se a cautela e a preocupação em não acirrar ainda mais os ânimos, mas acredite quem quiser em diálogo com Bolsonaro”, finaliza o jornal.

Também em editorial, o Estado de S. Paulo alertou para a verdadeira motivação dos atos pretensamente “pró-governo”: a invasão do Supremo e do Congresso. “Em nenhum país civilizado, esse tipo de convocação é considerado ‘manifestação de pensamento’ ou ‘expressão de opinião política’. Trata-se não apenas de incitação à violência contra as instituições – o que já configura crime –, mas de convocação para o golpe”, atacou o jornal, porta-voz do mercado e da direita de São Paulo.

“É urgente que o Congresso reaja e que o Ministério Público acione a Justiça, de forma a impedir a ação criminosa contra as instituições. Impõe-se o realismo. Depois de tudo o que já foi divulgado, eventual tentativa de golpe no dia 7 de setembro não será nenhuma surpresa. Será a estrita realização das táticas e objetivos anunciados, repetidas vezes, por bolsonaristas”, finalizou o Estadão.

“Voz do dono” global, Merval Pereira foi além e apontou que as Forças Armadas terão que deter Bolsonaro em sua tentativa de criar o clima para um golpe de Estado. “A democracia terá problemas se a Polícia Militar for contaminada por essa tentativa golpista do presidente. As Forças Armadas terão de enfrentar essa situação”, afirmou em sua coluna.

“Além dos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro vem cometendo desde o início de seu governo, esse, a ser cometido no Dia da Independência, será talvez o mais inegável, e o mais grave, pois repetição de atos anteriores, de apoio a manifestações antidemocráticas que aconteceram em Brasília, inclusive na frente do quartel do Comando-Geral do Exército, rejeitados na ocasião, mas não punidos”, concluiu.

Bolsonaro quer estado de sítio, diz presidente do Fórum de Segurança

Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o “ponto de não retorno” para o clima de insubordinação entre militares foi a sensação de impunidade no episódio com o general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em maio, ele participou de uma motociata no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro, e não sofreu sanções do Comando do Exército.

“Deixar de punir Pazzuello abriu a porteira para a insubordinação na PM”, avalia o sociólogo em entrevista ao portal Metrópoles. Segundo ele, esse caldo ideológico pode fazer eclodir “um problema seríssimo de algum confronto na rua, situações de desordem, de contestação e de limitação de direitos daqueles que discordam do bolsonarismo” que justificaria medidas de força para “conter o caos”.

“A desordem interessa ao grupo de apoiadores do Bolsonaro, porque permitiria a decretação de uma GLO [operação militar de Garantia da Lei e da Ordem] nacional, ou em São Paulo, ou no Distrito Federal. E a decretação de um estado de sítio, que foi ameaçada várias vezes pelo Bolsonaro”, apontou Renato Sérgio.

“Os governadores vão ter que deixar muito claro, como fez o Camilo Santana [PT] no Ceará ao ano passado, no motim, quando falou que anistia era inegociável”, prosseguiu. “Os governadores podem e devem estabelecer limites fortes, para não serem transpostos. E, se forem, os governadores precisam agir”, defendeu o sociólogo. “A gente precisa ficar esperto em relação ao golpe.”

Embora o vice-presidente, Hamilton Mourão, tenha dito na segunda que tinha “preocupação zero” com as manifestações bolsonaristas, chamada por ele de “fogo de palha”, as mensagens que circulam em grupos de WhatsApp de policiais militares atingem o ponto de combustão, após João Doria afastar o coronel da ativa Aleksander Lacerda da Polícia Militar de São Paulo por convocar “amigos” para as manifestações.

Segundo o Estado de São Paulo, policiais de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Espírito Santo, Ceará e Paraíba, de patentes variadas, inclusive deputados-PMs, se organizam nas redes para uma grande manifestação de força.

Os “textões” falam em “exigir” o poder, lutar contra o comunismo e retirar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)”, se posicionam como “batalhão de vanguarda” do bolsonarismo e lembram o episódio histórico de Canudos, quando “resolveram o problema” exterminando os seguidores de Antônio Cândido.

Entre os civis, o clima também é de conflagração. Nesta segunda, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antônio Galvan, esteve na sede da Polícia Federal em Sinop (MT) em cima de um trator com uma bandeira nacional hasteada. Após ter sido alvo de busca e apreensão determinada pelo STF, ele informou que recorreu de decisão que veta seu acesso à Praça dos Três Poderes, em Brasília.

No Paraná, o fundador da rede de lojas de varejo Mário Gazin se ofereceu para custear a viagem para os atos em Brasília. Em vídeo nas redes sociais, ele prometeu pagar o ônibus, que sairá da sede da empresa no interior do estado.

Reportagem da CNN Brasil informou que a Polícia Federal investiga o nível de participação do Palácio do Planalto na organização e financiamento das manifestações. Em dois depoimentos prestados por alvos da operação deflagrada pelo ministro Alexandre de Moraes na sexta-feira, delegados da PF questionaram os motivos dos encontros dos envolvidos com integrantes do alto escalão do desgoverno Bolsonaro.

Marcos Antonio Pereira Gomes, caminhoneiro conhecido como Zé Trovão, foi questionado sobre encontros que teve com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e com o ministro do Turismo, Gilson Machado, além de reuniões no Palácio do Planalto. Zé Trovão e o empresário Turíbio Torres, também alvo da operação da PF de sexta-feira, indicaram a Aprosoja como financiadora dos atos.

Entre os 13 mandados de busca e apreensão expedidos pelo Supremo na sexta também constavam os endereços dos cantores Sérgio Reis e Eduardo Araújo, além do deputado bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ). Sérgio Reis é investigado após anunciar pelas redes sociais que organizava uma manifestação com caminhoneiros e agricultores. Eduardo Araújo se reuniu com Sérgio Reis e Bolsonaro no Palácio do Planalto.

Da Redação

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