Juliana Cardoso: Violência obstétrica: Ministério da Saúde censura o termo em vez de enfrentar o problema

“A violência obstétrica existe e não há como negá-la. Ela é uma faceta da violência contra as mulheres na medida em que é expressão da ausência da autonomia sobre o seu corpo”

Renatto D'Sousa/Câmara Municipal de São Paulo

Vereadora Juliana Cardoso (PT)

Em mais um exercício de autoritarismo e de ímpeto revisionista, o governo Bolsonaro, através do Ministério da Saúde, acaba de publicar despacho que decreta abolido o uso do termo “violência obstétrica” que as mulheres sofrem durante a gestação, parto e pós-parto.

Para o Ministério o termo “tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado”.

O despacho ainda acrescenta: “acredita-se que, tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.

Sem deixar de considerar as argumentações governamentais o despacho do Ministério da Saúde foi recebido com preocupação por entidades que lutam pelo parto respeitoso no Brasil.

A inusitada medida de censurar o termo dos documentos oficiais não avança na questão dos cuidados humanizados.

Essa atitude não é novidade para um governo que tenta reescrever a história negando o golpe de 1964 e a ditadura civil-militar ou que esconde dados importantes no projeto de lei da reforma previdenciária.

Tão logo o despacho se tornou público, ativistas, pesquisadoras e representantes de entidades ligadas ao parto respeitoso, se reuniram no Instituto de Saúde de São Paulo.

O principal entendimento do encontro é que somente com visibilidade e nomeando o problema pode-se superar os crescentes casos de violência obstétrica que atingem uma de cada quatro mulheres brasileiras. E que a medida do Ministério da Saúde é uma tentativa de interditar o debate sobre esse importante tema.

Embora reconhecendo que a maioria dos episódios seja classificado como atitude “culposa”, isto é, sem intenção dos profissionais de saúde, há de se notar, porém, que a violência obstétrica está naturalizada em vários procedimentos médicos pautados por negligência, imperícia ou imprudência.

A violência obstétrica existe e não há como negá-la.

Ela é uma faceta da violência contra as mulheres na medida em que é expressão da ausência da autonomia sobre o seu corpo. E se revela em múltiplas formas como o abuso na medicalização, no saber médico controlando o corpo da mulher e tirando sua autonomia, a livre decisão de sua sexualidade.

Essa constatação é resultado de exaustivos debates ao longo dos anos entre entidades do movimento pelo parto humanizado e setores da academia.

São recorrentes as intervenções desnecessárias que as mulheres sofrem, principalmente no momento do parto.

Também são comuns as agressões verbais ou até mesmo físicas. Passam ainda despercebidas expressões como “ser mãe é padecer no paraíso”, desqualificando as gravidezes.

No rol de violência ainda figuram situações extremas como negar atendimento ou privar a mãe do contato com o bebê.

Essa decisão do Ministério não contribui para a promoção da assistência obstétrica respeitosa. E não se alinha com a Organização Mundial de Saúde (OMS) que recomenda para evitar ou eliminar os abusos contra as mulheres apoio a programas, projetos e pesquisas para erradicar a violência.

Em vez de enfrentar o problema, a censura pretende encerrar o debate.

O governo federal está no caminho contrário ao de outros países. Na Argentina, por exemplo, a violência obstétrica é reconhecida como crime cometido contra as mulheres, passíveis de punição.

Afinal, como ficou definido na reunião no Instituto de Saúde é necessário #Nomearparasuperar

Juliana Cardoso (PT) é vereadora, vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente e membro das comissões de Saúde e de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo.

*Artigo publicado originalmente no Viomundo

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