Lava Jato do Rio investigada por ação ilegal contra advogados

Operação E$quema $, considerada o maior ataque contra a advocacia na história nacional, pode ser anulada por erros de competência e de imputação de crimes. Ministro do STJ acionou o Supremo contra diligências comandadas pelo juiz Marcelo Bretas. Áudios revelam procuradores conduzindo delação

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Marcelo Bretas

A atuação enviesada do juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, pode sofrer um duro revés. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Napoleão Nunes Maia Filho acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Operação E$quema S, que investiga um suposto esquema de tráfico de influência no STJ e no Tribunal de Contas da União (TCU).

O movimento pode acabar anulando a nova fase da Lava Jato, deflagrada para apurar um suposto desvio de R$ 151 milhões do Sistema S (Fecomércio, Sesc e Senac). Considerado o maior ataque contra a advocacia registrado no país, a operação cumpriu mais de 50 mandados de busca e apreensão expedidos por Bretas contra empresas e escritórios e residências de advogados, incluindo Cristiano Zanin, defensor do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Segundo reportagem da rede CNN, Napoleão foi ao Supremo em 10 de agosto – um mês antes da ação da Polícia Federal, deflagrada na quarta (9) – para solicitar uma verificação sobre a possibilidade de a Lava Jato no Rio de Janeiro estar investigando pessoas com prerrogativa de foro privilegiado sem autorização. Caso a conduta ficasse confirmada, ele pediu a suspensão das apurações e a requisição dos autos.

As suspeitas são de que a Lava Jato tenha feito investigação ilegal, apurando, sem autorização do Supremo e indiretamente, a conduta de ministros do STJ por meio de seus filhos e escritórios de advocacia. No Ministério Público Federal (MPF), há a percepção de que esse possa ter sido um dos motivos para que a força-tarefa tenha recusado compartilhar dados de investigações com a PGR.

O processo foi distribuído ao ministro do Supremo Gilmar Mendes, por prevenção. O magistrado é responsável pelos casos da Lava Jato fluminense no STF. Na semana passada, ele pediu que o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifeste sobre o caso.

Napoleão também ingressou com uma reclamação no Supremo, tendo como base notícias de que o Ministério Público no Rio de Janeiro (MP-RJ) teria aceitado a delação do ex-presidente da Fecomércio fluminense Orlando Diniz, e avançaria sobre magistrados de tribunais superiores, STJ e TCU principalmente.

Orlando Diniz já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista ‘Época’, depois que ele concordou em acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 1 milhão (R$ 5,29 milhões) depositados no exterior.

Procuradores orientaram delação

Reportagem da revista ‘Consultor Jurídico’ menciona vídeos de trechos da delação de Orlando Diniz mostrando que o MPF dirigiu as respostas do delator. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.

Diniz diz que os contratos fechados com o escritório de Cristiano Zanin foram “legais”. A procuradora o convence de que ele deve dizer que foram ilegais. “Foram formais, mas ilegais”, ela dirige. Diniz concorda. Mais à frente, ele diz para ela colocar o que quiser: “Fica a seu critério”.

Quando Diniz corrige a “informação” de que a mulher de Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, faria parte do “núcleo duro” do suposto esquema, um procurador chega a intimidar o delator, dizendo que ele está tentando proteger Ancelmo.

Em determinado momento, Diniz afirma: “acho que essa frase ficou meia solta”. Ela responde: “Eu aproveitei ela do seu anexo” — o que mostra que a procuradora reescreveu a delação.

O procurador choca-se com o delator: “Ou todos escritórios fizeram a mesma coisa ou nenhum deles fez coisa alguma”, diz, bancando uma contradição lógica. “Mas a gente detalha isso nos anexos de cada escritório” tergiversa o procurador, o que é feito sempre que o delator discorda do texto atribuído a ele.

“Fica clara a estratégia do Ministério Público: prender, pressionar, “negociar” a delação até que ela atinja quem os procuradores querem. Dirigir, criar uma narrativa, conseguir as manchetes que vão equivaler a uma condenação pela opinião pública. Com base apenas em delações, constrói-se um castelo de areia, fadado a desmoronar. Mas tudo bem, pois, quando isso acontecer, os objetivos já terão sido atingidos — e sempre se pode por a culpa pela impunidade no Supremo”, conclui a reportagem da ‘Conjur’.

Especialistas ouvidos pela revista apontaram que a denúncia do MPF tem erros de competência (uma vez que a Fecomércio e o Sistema S deveriam ser julgados na Justiça Estadual, e não na Federal — fora da alçada de Bretas) e de imputação de crimes (já que empregados dessas organizações não podem ser acusados de peculato ou corrupção, pois não são funcionários públicos).

Práticas ilegais destroem o processo penal

Ouvidos pelo portal ‘Brasil de Fato’, juristas afirmaram que as investidas da Lava Jato contra o escritório do advogado Cristiano Zanin chamam a atenção pela forma autoritária e distante da legalidade com que manipularam as atividades investigatórias das instituições públicas e as normas e garantias previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Mas os juristas admitem que elas não causam surpresa.

Para os advogados, a atuação do juiz Marcelo Bretas, não apenas no caso envolvendo o escritório de advocacia que atende o ex-presidente Lula, mas também em outros processos da Lava Jato e nas investigações envolvendo o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, são de mesmo teor e carregadas das mesmas crenças que moldavam a atuação do ex-juiz federal Sergio Moro, quando atendia na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba.

A reportagem aponta quatro dos principais pontos de conflito entre a Lei e o fazer processual de Sergio Moro e Marcelo Bretas, e como essas práticas maculam a norma penal, as garantias individuais previstas na Constituição e o Estado de Direito. Entre elas, a parcialidade do juiz e o fim da equidistância processual, princípios não observados pelos dois.

“Existe uma semelhança muito grande entre a atuação do Bretas e do Moro. Ambos têm uma veia inquisitória, uma crença em um processo inquisitorial. O nome inquisitorial deriva justamente da Santa Inquisição, quando os julgamentos eram feitos pela Igreja Católica e se buscava justamente a punição do acusado, com o juiz e o acusador sendo a mesma pessoa”, explica André Lozano Andrade, advogado criminalista sócio do escritório Jacob Lozano e professor de Direito e Processo Penal.

Outro ponto apontado foi a performance de juiz “super-herói”, com a consequente espetacularizacão do processo penal. “O juiz super-herói, no imaginário popular legitimado pelo discurso dos grandes veículos de comunicação, é deturpada. Eles utilizam do cargo que exercem para atuar como militantes políticos e ideológicos. A função do magistrado, que deveria ser a de um árbitro, que assegure as garantias individuais aos réus e analise a hipótese acusatória, não acontece. Tanto com Moro como Bretas, o que se vê são processos políticos camuflados como se processos judiciais criminais fossem”, pondera Fernando Hideo Lacerda, advogado, doutor em Direito e professor da Escola Paulista de Direito.

O uso ilegal da prisão preventiva como forma de tortura e ato de coerção é o terceiro ponto apontado na reportagem. “De maneira alguma a Constituição ou a lei processual penal amparam a visão de que a prisão preventiva é utilizada como forma de obter delações premiadas. Isso é algo totalmente inconstitucional. A prisão cautelar tem uma função muito específica. A gente pode até considerar isso uma forma de tortura moderna, seja ela física ou psicológica”, explica o advogado criminalista Anderson Lopes, mestre em Direito Penal pela USP e causídico atuante na Operação Lava Jato, como advogado de Defesa de acusados e denunciados pela força-tarefa.

Finalmente, a criminalização da advocacia e o uso do processo como ferramenta de perseguição política, como pode ser comprovada neste episódio do Rio de Janeiro, é o quarto ponto levantado. “Nessa operação, em especial, foi cometida uma grande injustiça contra o doutor Zanin, que comprovou nos próprios autos, através de uma auditoria independente com farta documentação comprobatória, que não havia nenhuma irregularidade em sua atuação. Fica evidente que existe em relação ao advogado do ex-presidente uma tentativa de perseguição, de desviar o seu foco do trabalho que desenvolve”, avalia Marco Aurélio de Carvalho, advogado que coordena a defesa tributária de Fábio Luís Lula da Silva e sócio fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

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