Lei das biografias: liberdade para escrever a nossa história

“É uma vitória da sociedade, não dos autores. [Quem é contra biografias não autorizadas] não quer tirar o emprego dos autores, quer impedir a sociedade de ser informada a respeito…

Foto: Arquivo

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“É uma vitória da sociedade, não dos autores. [Quem é contra biografias não autorizadas] não quer tirar o emprego dos autores, quer impedir a sociedade de ser informada a respeito dela própria”

Essa declaração, feita pelo escritor Fernando Morais, autor de memoráveis obras biográficas, como ‘Olga’ e ‘Chatô, o rei do Brasil’, entre outras, define bem o espírito do projeto de lei que apresentei à Câmara dos Deputados em 2011 e que foi aprovado na semana passada e agora enviado ao Senado Federal.

Com a aprovação houve muita comemoração, pois a lei foi considerada uma espécie de alforria para escritores, editores, acadêmicos, cineastas, dramaturgos, compositores, artistas e muitas outras categorias. O sentimento de todos aqueles favoráveis à sua aprovação foi muito bem definido na seguinte frase de Sérgio Machado, dono do grupo Record, um dos maiores editores do país: “foi o dia da lei áurea da biografia”. Essa vitória terá grande repercussão na vida das editoras, produtores de filmes, companhias de teatro, na universidade e instituições que estavam com projetos paralisados por temor a possíveis prejuízos causados pela insegurança jurídica.

Assim que virar lei, o meu projeto colocará fim na necessidade de autorização prévia para publicação de biografias. Hoje, muitos profissionais vivem constrangidos de trabalhar livremente, ameaçados permanentemente por possíveis processos judiciais. O projeto, ao modificar o artigo 20 do Código Civil de 2002, retira a ressalva que dava direito ao biografado, ou a seus parentes, de impedir a publicação de biografias e até de retirar obras de circulação. O caso mais doloroso foi protagonizado pelo nosso rei Roberto Carlos, que ganhou na justiça o direito de retirar de circulação o livro ‘Roberto Carlos em Detalhes’ do autor Paulo César Araújo.

As restrições impostas pelo Código Civil às narrativas, de forma geral, estão levando o Brasil a construir uma história “oficial” de muitos de seus personagens públicos. Só as versões autorizadas por essas personalidades não corriam o risco de ser censuradas. Ora, pessoas que têm relevância histórica, política, científica, social e cultural para a sociedade não podem exigir privacidade absoluta. Na medida em que são figuras públicas, elas fazem parte da história do Brasil, como acontece em países com democracia consolidada, como os Estados Unidos, referência de liberdade de expressão, Reino Unido, França e outros. Por exemplo, Michael Jackson e Barack Obama têm dezenas de biografias cada um, sem que nenhum dos biógrafos tivesse de pedir licença para exercer seu ofício ou fosse incomodado por escrever sobre eles.

Meu objetivo foi corrigir uma anomalia da legislação infraconstitucional brasileira que reintroduziu a censura, a restrição à liberdade de expressão, de criação artística e intelectual, garantidas pela Constituição.

Para obter o acordo necessário à votação do projeto – que fora aprovado por unanimidade nas Comissões de Educação e Cultura e Constituição, Justiça e Cidadania – foi preciso construir um acordo no colégio de líderes de todos os partidos da casa. Nasceu ali uma emenda aditiva, que permite ao biografado, somente em caso de calúnia, injúria ou difamação – que fique claro –, recorrer a um Juizado Especial para que o julgamento de seu processo seja rápido. Caso os juízes entendam que houve calúnia, injúria ou difamação poderão determinar a supressão daquele trecho da obra numa reimpressão futura.

Estou certo que a democracia brasileira deu um passo fundamental quando da aprovação do projeto na Câmara dos Deputados. Mas agora é preciso que o Senado faça sua parte. Vamos acompanhar, pressionar e, certamente, comemorar mais essa vitória da democracia.

 Newton Lima é Deputado federal (PT-SP), ex-prefeito de São Carlos e ex-reitor da UFSCar.

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