Lula: “eu não aceito a ideia de que o Brasil seja destruído como está sendo”

Em entrevista à Agência Pública, ex-presidente falou sobre a Amazônia, geopolítica na América Latina, soberania nacional e exaltou as ministras em seu governo

AF Rodrigues/Agência Pública

Isolado da família e dos amigos. Proibido de exercer seus direitos políticos e percorrer o país pelo qual tanto luta. Mantido como preso político há 572 dias na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula parece inabalável e determinado a cada nova entrevista que concede. “Eu deveria ficar até carrancudo quando você faz uma pergunta dessa, mas é tão hilário o que aconteceu na minha vida… Estou agarrado pelo monstro e estou rindo”, declarou Luiz Inácio Lula da Silva aos jornalistas Marina Amaral e Thiago Domenici da Agência Pública, nesta quarta-feira (30).

O monstro ao que o ex-presidente se refere é a implacável perseguição política promovida pela “quadrilha de promotores da Lava Jato – que é uma quadrilha, chefiada pelo Dallagnol”. Conforme descreveu os jornalistas, Lula alternou bom humor, indignação e alfinetadas aos adversários políticos: “Podem perguntar o que quiserem, não ficarei nervoso como o Bolsonaro ficou ontem à noite”, disse o ex-presidente ao lembrar da histérica e descontrolada live que Jair Bolsonaro (PSL) fez após a Rede Globo dizer que um dos acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco havia acessado o condomínio usando seu nome na noite do crime.

A entrevista à Pública durou 60 minutos, pouco tempo, mas o suficiente para Lula mais uma vez nos lembrar porque é o melhor presidente da história do Brasil. Com propriedade de quem tirou mais de 36 milhões de famílias da condição de extrema pobreza, o ex-presidente falou sobre a Amazônia, geopolítica na América Latina, soberania nacional, e principalmente das mulheres em seu governo, sobretudo, da ex-presidenta Dilma Rousseff.

“Eu tenho orgulho de ter indicado a Dilma Presidenta da República. Eu tenho orgulho. Porque ela foi a pessoa mais extraordinária que eu conheci do ponto de vista de seriedade, do ponto de vista de competência de gestão. A Dilma me deu a tranquilidade para governar esse país. Porque a Dilma, como não disputava nada com ninguém, sabe, a Dilma, a Graça [Foster, ex-presidente da Petrobras], a Miriam Belchior [ex-ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão], a nossa ministra do combate à fome, a Márcia Lopes, essas mulheres me deram uma segurança.  Porque o que eu pedia para elas não tinha chuva, não tinha raio, não tinha feriado, não tinha dia de finados. O que eu pedia, em poucas horas estava na minha mão”, exaltou Lula.

Governos do PT e a defesa do meio ambiente

 

Ao longo da entrevista o ex-presidente foi questionado sobre a questão ambiental, sobretudo, a construção da usina de Belo Monte, tema recorrente entre os jornalistas. Lula, por sua vez, tratou de pontuar as responsabilidades e esclarecer que os governos do PT foram duros nas exigências ambientais e sociais do órgãos e da sociedade. “Você pesquisa na história se em algum momento a Funai teve 10% do respeito que ela teve comigo, quando eu era presidente da República. Para começar a obra, a empresa teve que cumprir 60 exigências ambientais e sociais colocadas pelo Ibama e pelas populações locais. E ela cumpriu rigorosamente todas, ou não teríamos autorizado”, relembra o ex-presidente que prossegue:

“Eu acho que a pessoa pode discordar, mas o que nós fizemos foi garantir a integridade dos 12 territórios [indígenas], uma área, 11 terras indígenas ocupadas pela população indígena do médio Xingu. Nenhum dos mais de 5 milhões de hectares ocupados por oito etnias foi alagado pela reserva. Só para você ter ideia: 12 reuniões públicas, 10 oficinas com comunidades, 15 fóruns técnicos, 4 deles em Belém, reuniões com gestores públicos na região do Xingu, 30 reuniões em aldeias indígenas com a participação de aproximadamente 1700 indígenas, visita dos agentes de comunicação social dos projetos, 5238 famílias, 61 reuniões de comunidade com a presença de 2100 pessoas e 10 palestras em escolas de ensino fundamental e médio para aproximadamente 530 alunos. Quer dizer, nós ainda fizemos um apanhado de 396 mil animais silvestres foram resgatados. Desses, 92% foram soltos e apenas 8% foram levados para instituições porque estavam feridos ou machucados”, elenca Lula.

O ex-presidente ainda lembrou do devaneio de quem equipara a política de preservação dos governos do PT com de Bolsonaro. “Eu vou te dizer que no nosso governo, a gente diminuiu 80% o desmatamento na Amazônia. A gente foi para Copenhagen e assumiu o compromisso, e foi aprovado em lei, que o Brasil iria diminuir a emissão de gases de efeito estufa em 80%. E nós cumprimos. Depois que a Dilma deixou o governo, cresceu 280% o desmatamento”, destacou.

A esquerda na América Latina

 

Na entrevista, Lula também celebrou as vitórias da esquerda na América Latina, com a eleição de Alberto Fernández na Argentina, Evo Morales na Bolívia e a disputa que envolve da Frente Ampla no Uruguai. Para o ex-presidente, os povos latino-americanos estão se levantando contra as políticas neoliberais da direita e querem reviver os tempos de prosperidade do início dos anos 2000.

“Quem ama e vive a democracia precisa perceber o seguinte: em 500 anos de história, a América Latina nunca tinha tido a experiência de esquerda que teve com a chegada no governo do Chávez, minha, do Evo, do Kirchner, do Tabaré e depois do Pepe Mujica. Nunca tinha tido. Teve o [Álvaro] Colom na Guatemala, o Maurício Funes em El Salvador. Foi uma guinada histórica”, destacou o ex-presidente, que considera que o “melhor período da América Latina” teve como maior adversário a “imprensa conservadora, os donos dos meios de comunicação”, que promoveram perseguições aos governos de esquerda.

Rede Globo é um partido

 

E é a chamada grande imprensa, na avaliação de Lula, a maior responsável pela ascensão do ódio, que resultou na eleição do desvairado Bolsonaro. Segundo o ex-presidente, as maiores culpadas são as emissoras de TV uma vez que usufruem de uma concessão pública. “Não o jornal, porque o jornal escreve o que quer, o cara tem que comprar jornal, mas a televisão é uma concessão do Estado, então as pessoas precisam, no mínimo, ser respeitosas com quem está governando e não transformar o meio de comunicação em um partido político, que é o que é hoje a Globo. Aliás, ela vem preparando candidato já faz tempo”, criticou.

Para Lula, a Globo foi uma das grandes artífices do golpe contra Dilma em 2016 e sua prisão política. “A Dilma foi eleita em 2014 e esse tal de Lula vai voltar em 2018. Se esse tal de Lula voltar em 2018 e fizer o mesmo governo que fez, pode se reeleger em 2022. Então, ‘espera aí, esse PT vai governar trinta anos esse país? Colocando preto, empregada doméstica, gente da periferia na universidade? Essas pessoas viajando de avião, comendo três vezes por dia, tendo conta bancária, produzindo a terra com muito financiamento? Vamos parar com isso’. O medo deles era que houvesse essa continuidade”.

O ex-presidente acredita que a perseguição a ele e ao PT encabeçada pela Globo vai além do legado de ascensão social promovido pelos governos. O grupo da família Marinho é contrário à democratização da comunicação no Brasil.

“Tem uma professora da Universidade Federal de Minas Gerais que está fazendo ou fez a tese dela – recebi uma cópia aqui, nem a conheço. Ela mostra que tem mais de duzentas horas do Jornal Nacional contra o Lula e nem um minuto favorável. Isso agora, depois que deixei a presidência, porque passei a incomodá-los mais do que quando era presidente. Eu não consigo entender qual é o ódio. A única explicação que tenho é a ascensão social do povo brasileiro. Ou que, quando entrei na presidência, tinha 348 meios de comunicação que recebiam dinheiro da Secom, nós passamos para quase 4 mil. E foi pouco, porque precisaria fazer mais”, apontou.

Rede de ódio e fake news

 

É para atender seus interesses econômicos que a Globo abandona de vez qualquer perspectiva jornalística. Segundo Lula, o ódio e as fake news disseminadas na sociedade brasileira têm a participação da  emissora. “Volto a dizer, a Rede Globo tem muita responsabilidade pelo ódio disseminado nesse país. Porque ela pregou o ódio à política. Toda vez que você prega o ódio à política, o que nasce é pior. Você tá lembrado do Jânio Quadros, ele foi eleito com a vassourinha. Tá lembrado do Collor? Foi eleito com o mesmo discursinho”, explica.

Com Bolsonaro não é diferente. Eleito com a conivência da grande imprensa, inclusive da emissora carioca, Jair nada fez em 10 meses de governo e sustenta à base de mentiras e notícias falsas. “Quem vinha fazendo política há muito tempo sabia que existia uma indústria de fake news com discurso próprio. Como esse das hienas.  Esse discurso das hienas não foi feito pra você, não foi feito pra mim, foi feito pros milicianos dele. Isso é dirigido. Então é assim, ele [Jair Bolsonaro] que era tão favorável a minha punição, que achava que eu reclamava demais… Eu vi ele na televisão. Você nunca me viu num gesto histérico como ele ontem. Um presidente não pode ser assim.  Um presidente tem que ter calma. Um presidente, quando ele fala, ele tá falando pro povo. Se não, não tem necessidade dele ir na televisão”, ensina.

Lula destacou que o atual governo não tem nenhum compromisso com o povo e os trabalhadores. o clã Bolsonaro governa para atender interesses próprios e as fake news são suas ferramentas de sustentação. Bolsonaro “não tem nenhum compromisso com a verdade. Aqueles filhos do Bolsonaro, eles sentem prazer de ser mentirosos. Eles não agem com seriedade. O Bolsonaro fala as bobagens dele pra entreter o povo, entreter a imprensa, e o [Paulo] Guedes vai vendendo o Brasil, e vai vendendo o Brasil e daqui a pouco nós não somos mais uma nação. Perdemos a nossa soberania”.

Por fim, Lula, que declarou que vai viver até os 120 anos, vai seguir lutando pelo país e aguarda que a Justiça seja feita para em liberdade rodar o Brasil em caravanas. “Então é o seguinte, esteja certa de uma coisa: esse ser humano que vos fala está com muita disposição de brigar nesse país. Eu não aceito a ideia de que o Brasil seja destruído como está sendo destruído. Então, eu espero que vocês estejam muito vivos e fortes pra ver esse país voltar a sorrir. Pode ficar certo, Marina. É muito melhor ser bom, é muito melhor ser agradável. Você come melhor, você dorme melhor, você tá de bem com a vida. Você imagina eu, não poderia estar aqui chorando? Estou aqui rindo pra vocês e dizendo pra vocês: primeira coisa que quero fazer quando sair daqui é casar outra vez”.

Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações da Agência Pública

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