Luta contra depredação da Petrobras vai prosseguir com frente ampla

Militantes intensificam mobilização a despeito da decisão do Supremo, autorizando o governo a entregar refinarias sem autorização do Congresso. Lula denuncia ameaça à soberania nacional. Sindicato move ação contra leilão de campo em que Brasil alcançou a autossuficiência de petróleo

Foto: Levante Popular da Juventude

A luta contra a desintegração do Sistema Petrobras se mantém em todas as frentes. Na última sexta (2), um dia após o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificar a venda de refinarias pelo desgoverno Bolsonaro sem aval do Congresso, o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) ajuizou ação popular contra a empresa, na 1ª Vara da Justiça Federal de Campos dos Goytacazes (RJ). O objetivo é impedir a venda dos campos de Albacora e Albacora Leste, na Bacia de Campos, região Norte do estado.

“É um absurdo a Petrobras vender ativos lucrativos e já amortizados, com capacidade de dar retorno financeiro para a empresa e para os cofres públicos. São mais de 1.500 trabalhadores diretamente impactados. Albacora e Albacora Leste são campos gigantes, que têm reservatórios de pré-sal, um patrimônio brasileiro, e estão sendo colocados à venda a preço mais baixo em um momento de baixa do preço do petróleo”, explica Tezeu Bezerra, coordenador geral do Sindipetro-NF, ao portal ‘Brasil de Fato’.

O pedido de tutela de urgência afirma que “até o momento, a estatal vendeu campos com a produção relativamente pequena e com baixa perspectiva de crescimento; é o caso de, por exemplo, Pargo, Carapeba e Vermelho. Entretanto, Albacora e Albacora Leste estão entre os maiores produtores da Bacia de Campos”.

Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que nos primeiros sete meses deste ano, Albacora Leste produziu, em média, 30,7 mil barris diários de petróleo. Albacora registrou produção média de 15,8 mil barris por dia.

A Petrobras detém 100% de Albacora e 90% de Albacora Leste e anunciou o teaser de venda das áreas na última semana. Albacora Leste abriga a plataforma P-50, que, em 2006, garantiu a autossuficiência de petróleo ao Brasil, segundo o Sindipetro-NF.

No teaser de venda dos dois campos, a Petrobras chama a atenção para a quantidade de óleo original estimada em cada campo (OOIP) no pós-sal – 4,4 bilhões de barris em Albacora e 3,8 bilhões de barris em Albacora Leste. Também destaca que as áreas têm um potencial significativo no pré-sal.

Segundo a ação movida pelo sindicato, a Petrobras “põe em risco o patrimônio público em razão de falta de análise de gestão de crise e de alienação da participação em setores altamente lucrativos”. Além da suspensão liminar da venda dos campos, a ação solicita a anulação definitiva do processo, justificando que “dá-se de forma ilegal ao ignorar a necessidade de licitação”.

Luta contra privatização nos 67 anos da Petrobras

Criada em 3 de outubro de 1953 pelo presidente Getúlio Vargas após intensa campanha com participação de toda a sociedade, a Petrobras completa 67 anos diante da maior ameaça à sua existência. O sábado (3) foi marcado por protestos contra o avançado processo de desintegração do Sistema Petrobrás e sua privatização “aos pedaços”.

A mobilização, realizada ao longo de todo o dia por uma frente nacional composta por mais de 50 entidades que integram a Plataforma Operária e Camponesa da Água e da Energia, o Comitê de Lutas Contra as Privatizações e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, contou com diversos atos presenciais e virtuais.

O ‘Ato Virtual pela Soberania Nacional e pela Defesa do Povo Brasileiro’, transmitido pelo Portal CUT e pela TVT, teve a presença dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, lideranças sindicais, movimentos sociais, parlamentares e artistas. O impacto da agenda de privatizações sobre o aumento do desemprego, o preço dos combustíveis e dos alimentos, além do aumento da degradação do meio ambiente e dos direitos sociais, foi o ponto central das intervenções.

Um dos primeiros a falar, Lula destacou a importância da luta em defesa da Petrobras, maior empresa estatal do país, que já vendeu mais de 16,2% de suas ações desde 2018. “A Petrobras é símbolo da defesa da soberania porque é uma empresa que nasceu por responsabilidade do povo brasileiro, que teve coragem de dizer que o Brasil tinha petróleo. E acabou se tornando uma empresa que tem capacidade e conhecimento tecnológico como nenhuma outra empresa no mundo”, afirmou Lula.

Para ele, a soberania do Brasil passa pela manutenção da empresa como indutora de desenvolvimento, porque a Petrobras acumulou conhecimento tecnológico que a tornou quarta maior petrolífera do mundo. “A Petrobras é a maior empresa de prospecção de petróleo em águas profundas do mundo, e por isso encontramos o pré-sal”, apontou Lula, lembrando que a descoberta trouxe investimentos e desenvolvimento para o país.

Lula ressaltou que a soberania nacional corre risco. “Quando você tem um Brasil que coloca um general nosso pra ser subordinado a um general americano no comando da Quarta Frota, que é a frota americana pra tomar conta do Oceano Atlântico e para vigiar o nosso petróleo; quando você tem um presidente da República que vive todo santo dia lambendo as botas do governo americano mesmo quando o governo americano fala bobagem contra o Brasil; quando você tem um ministro da Educação, um ministro das Relações Exteriores que lambe as botas do presidente norte-americano, que é tão troglodita quanto o nosso, que é um cara violento, que não acredita na democracia nem respeita os direitos humanos, o que você pensa da nossa soberania? Ela está correndo risco.”

Para o ex-presidente, um país que cuida de sua população é que é um país soberano. “Soberania quer dizer defender nossas fronteiras, mas também cuidar das nossas florestas, nossa água, cuidar do índio, cuidar do negro. E o Estado deve assumir a responsabilidade pelo bem-estar social de 210 milhões de brasileiros, e não permitir a interferência de nenhum outro país”, concluiu.

Finalizando o ato, a ex-presidenta Dilma Rousseff denunciou as políticas neoliberais do desgoverno Bolsonaro, alertando para o fato de que suas medidas desastrosas não são fruto somente de incompetência, mas representam um método e ação sistêmica.

“Essas políticas de privatização evidenciam que, subordinado ao liberalismo e subserviente aos interesses dos Estados Unidos, esse governo age deliberadamente para desnacionalizar nossas riquezas. Tudo isso é uma traição ao Brasil e ao nosso povo”, afirmou Dilma, que também denunciou a destruição da estatal desde o golpe do impeachment, deflagrado em 2015.

“Desde 2016, quando fui destituída da presidência por meio de um golpe, a Petrobras passou a ser esquartejada e enfraquecida para ser entregue às petrolíferas internacionais”, lembrou. Como resultado, diz, “a estatal está se tornando uma empresa produtora de óleo bruto, menos rentável e dependente da importação dos produtos finais, a gasolina o diesel, o que eleva os preços aos brasileiros”.

“Esse governo age deliberadamente para desnacionalizar nossas empresas e isso é gritante ataque à soberania”, afirmou Dilma ao conclamar a sociedade brasileira a lutar contra o governo e destacar a importância de uma mobilização nacional constante contra o governo, que tenha como foco a defesa da Petrobras.

“Os defensores da privatização devem ser enfrentados e combatidos energicamente onde quer que possamos lutar contra eles, pois diante de um governo que produz tanta devastação não há outro caminho senão lutar para tirá-lo do poder. O futuro do Brasil será tão mais desastroso quanto mais impunemente se Bolsonaro continuar agindo contra a Petrobras”, concluiu.

Na véspera do ato, o ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa Celso Amorim recordou sua atuação ao comentar a votação do STF. “Como cidadão brasileiro, e tive a oportunidade de me ocupar de temas diretamente ligados à defesa da soberania nacional, só posso lamentar uma decisão que debilita nossa capacidade de garantir energia, sob várias formas, ao povo brasileiro”, diz. “Sem energia, não há produção; sem produção, não há emprego; e sem emprego não há renda sustentável.”

Atos simbólicos em capitais e abraço à sede da empresa no Rio

Como parte das mobilizações da Semana de Luta em Defesa do Povo Brasileiro e Contra as Privatizações e a Reforma Administrativa proposta pelo desgoverno Bolsonaro, os sindicatos da FUP realizaram atos simbólicos em várias capitais ao longo do dia. Pela manhã, os manifestantes se reuniram no bairro de Lobato, em Salvador (BA), onde foi descoberto o primeiro poço de petróleo do Brasil, e cantaram parabéns à Petrobras.

Os petroleiros também realizaram um ato no município de Maragogipe, no Recôncavo Baiano, cuja economia girava em torno das encomendas da Petrobras ao Estaleiro Enseada Paraguaçu, que, após a Lava Jato, foi desativado. Hoje o município é o retrato da devastação da indústria de petróleo no Brasil.

Em Manaus, um ato realizado pelo Sindipetro-AM no centro histórico da cidade, com participação de várias categorias e entidades dos movimentos sociais, marcou a resistência dos trabalhadores. Os petroleiros também fizeram atos simbólicos em Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, entre outras cidades.

No Rio de Janeiro, os Arcos da Lapa amanheceram com uma imensa faixa convocando a população a defender a empresa. Uma carreata saiu da sede da Prefeitura do Rio e foi finalizada nas imediações do Edifício Sede da Petrobras (Edise), na Avenida República Chile (Centro). Lá, um ato reuniu trabalhadores do setor público e movimentos sociais em um abraço simbólico do prédio.

Organizado pelo Comitê de Luta em Defesa do Povo Brasileiro, contra as privatizações, o ato representou a luta em defesa das empresas públicas de todos setores que estão em sob a ameaça de extinção ou de privatização total ou parcial (venda de subsidiárias ou ações). Trabalhadores de estatais como Correios, Eletrobrás, Dataprev, Nuclep e de centros de pesquisa como a Fiocruz somaram-se a organizações como a Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST) e a Casa Nem.

Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base em números divulgados pela própria Petrobrás mostra uma aceleração, desde o início de 2019, das ações de venda de ativos, redução de contratações – de trabalhadores próprios e terceirizados –e de investimentos.

Essas ações fizeram a Petrobrás retroceder a indicadores anteriores à descoberta do pré-sal, em 2006. No caso dos trabalhadores, os números atuais são similares aos que a empresa detinha nos anos 1970/1980, quando descobriu a Bacia de Campos e começou a ampliar seu parque de refino.
Em 2005, antes do pré-sal, os investimentos totais da Petrobrás em valores nominais foram de US$ 10,6 bilhões. Para este ano, a projeção é de US$ 8,5 bilhões. Essa cifra menor poderia ser justificada pela pandemia de Covid-19. Entretanto, em 2019 o investimento total da companhia foi de US$ 10,75 bilhões – ou seja, já nos níveis de 2005, sem pandemia.

A compra e venda de ativos faz parte da estratégia empresarial de qualquer empresa, e não é diferente com a Petrobrás. Entretanto, apenas de janeiro de 2019 a julho de 2020, a média mensal de teasers de vendas foi de 2,5. Entre junho de 2016 e dezembro de 2018 (ou seja, dois anos e meio), essa média foi de 1,4. Já entre janeiro de 2013 e maio de 2016 (três anos e meio, a média de teasers foi de 0,4 por mês.

Quanto aos empregos, entre dezembro de 2013 e dezembro de 2019 a Petrobrás reduziu seu número de trabalhadores próprios em 32,7%, o maior percentual de redução entre grandes petroleiras e ao contrário da francesa Total, que aumentou em 9,1% seu número de trabalhadores no mesmo período. A situação foi ainda pior entre os terceirizados: foram menos 273.150 trabalhadores entre o fim de 2013 e o fim do primeiro semestre de 2020.

Da Redação

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