Maior mortalidade de idosos afeta sobrevivência dos mais pobres

“Podemos dizer que, quando morre um idoso, uma família entra na pobreza”, diz Ana Amélia Camarano, autora do estudo ‘Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres?’

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Idosos são mais atingidos pela pandemia

A crise do coronavírus atingiu em cheio a renda de quase metade dos domicílios em que vivem os idosos, principalmente entre os mais pobres. Os dados fazem parte da Pesquisa de Comportamentos (ConVid) divulgada nesta quarta (31) pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Realizada em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pesquisa mostrou que entre abril e maio de 2020 foi registrada queda na renda em 47,1% dos domicílios, e 23,6% relataram forte redução e até mesmo ausência de renda.

Entre os que trabalhavam sem carteira assinada, a queda na renda ocorreu em 79,8% dos lares, e a ausência de renda, em 55,3%. A redução também afetou mais os que tinham renda per capita domiciliar menor que um salário mínimo. Apenas 12% citaram alguém do domicílio que recebeu algum benefício do governo relacionado à pandemia.

“Sem emprego, familiares passam a depender dos mais velhos, muitos deles aposentados ou beneficiários de políticas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC)”, diz a professora e coordenadora de economia do Insper, Juliana Inhaz

“A pandemia veio somar os problemas para a saúde e o bem-estar da população idosa”, afirma a principal autora do estudo, Dalia Elena Romero. Segundo ela, a crise econômica, o desemprego e a perda de renda já vinham ocorrendo antes do início da crise, no ano passado. A pesquisadora destaca que a perda de renda do idoso afeta toda a família.

Outro estudo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que 35% dos domicílios brasileiros têm pelo menos um idoso, e em 18,1% eles são os únicos provedores de renda da família. Nesse grupo estão 24 milhões de pessoas, sendo 19,5 milhões de idosos e quase cinco milhões de crianças e adultos.

Esses números vêm subindo rapidamente nos últimos anos. Levantamento da consultoria iDados mostra que o número de domicílios chefiados por idosos com dependentes cresceu 34% desde 2012. Apenas entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, quando o índice de desemprego subiu de 11,6% para 13,8%, o número de residências chefiadas por idosos com dependentes aumentou em 541 mil.

“Sem emprego, familiares passam a depender dos mais velhos, muitos deles aposentados ou beneficiários de políticas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC)”, diz a professora e coordenadora de economia do Insper, Juliana Inhaz.

Desemprego chega ao maior nível em nove anos

Agora que o desemprego ficou em 14,2% no trimestre encerrado em janeiro, segundo divulgou nesta quarta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a dependência cresceu ainda mais. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) aponta que o número de desempregados atingiu 14,3 milhões no início deste ano, pior número para o período desde o início da pesquisa do IBGE, em 2012.

Na comparação com o início de 2020, o número de ocupados caiu 8,6%, o que significa que 8,1 milhões de pessoas perderam o emprego após o início da pandemia. O IBGE detectou ainda recorde entre os desalentados: 5,9 milhões de pessoas.

A válvula de escape para os que buscaram ocupação foi o trabalho informal: o número de empregados sem carteira assinada no setor privado subiu 3,6%, os trabalhadores por conta própria sem CNPJ aumentaram em 4,8% e os trabalhadores domésticos sem carteira, 5,2%. Cresce a informalidade, cai o rendimento médio (-2,9%).

A gerente da pesquisa, Adriana Beringuy, frisou que o resultado é uma fotografia do momento e que ainda não capta o crescimento acelerado da pandemia desde o início de 2021. “A gente não sabe quais os efeitos que virão”, disse, lembrando que os dados de fevereiro devem trazer efeitos da suspensão do carnaval e, em março, o indicador deve começar a refletir o aumento das medidas restritivas para enfrentar a pandemia.

Ana Amélia Camarano, autora do estudo ‘Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres?’, diz que os idosos são vítimas duas vezes nessa pandemia: são os mais discriminados no mercado de trabalho e os mais atingidos pela covid-19. “Podemos dizer que, quando morre um idoso, uma família entra na pobreza.”

“Fome volta à mesa da favela”

Como os idosos somam entre 70% e 80% dos mortos na pandemia, o impacto da perda daquela renda sobre os sobreviventes é avassalador. A pesquisa ‘A Favela e a Fome’, do Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única de Favelas (Cufa), mostra que os moradores de 76 comunidades pesquisadas fazem atualmente 1,9 refeição por dia, em média. Na prática, apenas uma refeição é feita por todos os moradores.

“Com o fim do auxílio emergencial, o recorde do desemprego e o caos na saúde, a fome voltou à mesa da favela. A situação ainda não chegou ao pior estado porque ONGs ainda fazem chegar auxílio às comunidades. Mas vivemos uma situação limite”, explicou o presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, Renato Meirelles.

Segundo a pesquisa, em fevereiro, 68% das pessoas teve a alimentação prejudicada em meio à pandemia – com parcela importante chegando a passar fome. O percentual era de 43% em agosto de 2020. Ainda segundo o instituto, 82% das famílias pesquisadas relataram que não conseguiriam se alimentar diariamente sem ajuda de doações.

Com o agravamento da pandemia e sem auxílio emergencial, 71% das famílias moradoras de favelas tiveram perda de renda, sobrevivendo hoje com metade do que ganhavam antes da crise. No ano passado, 58% delas receberam o auxílio emergencial. Desde a suspensão do benefício, em dezembro, passaram-se três meses sem qualquer apoio do desgoverno Bolsonaro. “A fome é consequência da ausência de renda”, destacou Meirelles.

Em meio ao avanço do desemprego, da miséria e da fome, o desgoverno Bolsonaro anuncia para 16 de abril o início do pagamento do ínfimo novo auxílio emergencial. Ao mesmo tempo, retira dinheiro da assistência social, agricultura familiar, seguro-desemprego, abono salarial e benefícios previdenciários no Orçamento de 2021.

Agora em março, o número de beneficiários do Bolsa Família, principal programa social do país, chegou ao pico histórico. Dados do Ministério da Cidadania mostram que 14.524.150 milhões de famílias recebem o benefício, 259.186 a mais que em fevereiro. E 1,1 milhão ainda seguem na fila para receber a ajuda do governo. São pessoas que possuem perfil compatível com programa, já estão cadastradas, mas continuam na miséria sem o benefício.

Da Redação

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