MEC causa balbúrdia nas universidades ao forçar volta de aulas presenciais em plena pandemia

Reação generalizada à portaria determinando a retomada das atividades nos campi a partir de 4 de janeiro fez o ministro da Educação recuar. Professores, reitores das instituições federais, especialistas em educação e parlamentares atacaram a medida “absurda”, e alguns chegaram a afirmar que não a obedeceriam. Trapalhada do governo Bolsonaro na área educacional não é a primeira

Reprodução Facebook

Durou cerca de 12 horas a vigência da portaria do Ministério da Educação (MEC) determinando que as instituições federais de ensino superior voltassem às aulas presenciais a partir de 4 de janeiro de 2021. Publicada na manhã desta quarta, 2, no Diário Oficial da União, a Portaria 1030, que revogava a permissão para atividades on-line contarem como dias letivos, sofreu uma enxurrada de críticas e ameaças de desobediência à determinação. Por volta das 13h, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, “pediu para sair” em entrevista à CNN Brasil.

“Quero abrir uma consulta pública para ouvir o mundo acadêmico. As escolas não estavam preparadas, faltava planejamento”, admitiu o ministro. Na contramão de novas medidas de restrição adotadas nos estados, Ribeiro resolveu forçar a volta de estudantes universitários para as salas de aula. Ele disse que o ministério vai liberar o retorno às aulas somente quando as instituições também estiverem confiantes de que as atividades ocorrerão em segurança.

 

Indagado sobre o que levou o MEC a editar a portaria, Ribeiro afirmou que consultou mantenedores de universidades antes e que não esperava tanta resistência. “A sociedade está preocupada, quero ser sensível ao sentimento da população”, disse à CNN.

Entre as instituições que recusaram a ideia de retorno das aulas presenciais está a Universidade de Brasília. Em nota, a UnB criticou o fato de a flexibilização da regra ocorrer “em um momento de aumento das taxas de contaminação pelo coronavírus em diversos estados e no Distrito Federal”. A instituição também ressaltou que a pandemia “ainda não deu sinais de arrefecimento – pelo contrário”.

Ministro da Educação, Pastor Milton Ribeiro recuou diante da reação da comunidade acadêmica à portaria ministerial: “Quero abrir uma consulta pública para ouvir o mundo acadêmico. As escolas não estavam preparadas, faltava planejamento”

“Pense num absurdo…”

O reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Carlos Salles, se manifestou de forma ainda mais incisiva. “Nossa universidade não colocará em risco a vida de nossa comunidade, nem deixará de cumprir, com autonomia, sua missão própria de ensino, pesquisa e extensão”, declarou, em comunicado à imprensa. “Só nos cabe assim reiterar os termos de nossa Resolução 04/2020, que bem expressa nosso zelo e nossa responsabilidade acadêmica e institucional”.

Ex-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Salles classificou a medida como “um absurdo completo” e ameaçou não acatar a decisão. “Aqui na Bahia há um ditado: ‘Pense um absurdo. Na Bahia, tem precedente’”, comentou. “Na verdade, hoje, o absurdo está vindo de Brasília. Nossa resolução define que o próximo trimestre será não presencial com a possibilidade de atividades presenciais contanto que não seja colocada em risco a vida de nossa comunidade”.

As críticas se multiplicaram pelas redes sociais. “Além de atropelar instituições de ensino superior que passaram meses inventando formas de continuar funcionando e combatendo a pandemia, a portaria subordina a continuidade do ensino remoto nas instituições às determinações das autoridades locais sobre aulas presenciais”, criticou o cientista, educador e professor da Universidade Federal do ABC Fernando Cássio, no Twitter.

“O MEC mandou abrir e jogou no colo das prefeituras a responsabilidade de condicionar a abertura. Agora cabe às universidades e institutos federais lutarem para preservar a própria autonomia. Se as escolas recusaram, as IFES deveriam fazer o mesmo”, concluiu o educador.

José Guimarães (PT-CE), líder da Minoria na Câmara: “Quero abrir uma consulta pública para ouvir o mundo acadêmico. As escolas não estavam preparadas, faltava planejamento”

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, também se manifestou. “Diferente de outras atividades, em especial as econômicas, as universidades têm conseguido manter algum nível de funcionamento, ainda que defasado, mas não pararam suas atividades. Por isso é irresponsável e equivocada a posição do MEC ao publicar essa portaria!”, observou.

O deputado federal José Guimarães (PT-CE) lembrou em seu perfil no Twitter outros absurdos do desgoverno Bolsonaro: “Faz vista grossa para a alta da média móvel de casos, que subiu 35% em duas semanas. Enquanto isso, testes comprados com o seu dinheiro continuam vencendo em um galpão”.

Andes apontou negacionismo do governo

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) publicou editorial afirmando que a comunidade acadêmica foi “surpreendida” pelo ato do MEC, dirigida a todas as instituições que fazem parte do sistema federal de ensino, inclusive as federais de ensino superior (IFES) e as IES criadas e mantidas pela iniciativa privada.

“A diretoria do Andes considera a portaria coerente com a postura negacionista do governo federal, que durante todo o ano de 2020 trabalhou em favor do vírus e contra a saúde de todos os brasileiros. Nega a ciência e desarma e mina todos os esforços para mitigar a disseminação do vírus em nossa sociedade”, aponta a entidade.

“No momento em que os casos de Covid voltaram a crescer, que os índices de transmissão também sofreram aceleração e que o sistema público e privado de saúde voltaram a ficar saturados, reabrir de forma presencial instituições de ensino que congregam milhares de pessoas todos os dias não só é uma temeridade sanitária, como um ato criminoso”, prossegue o documento. “Além disso tudo, a portaria é um ataque à autonomia universitária, cujos órgãos dirigentes têm sido cautelosos e responsáveis durante todo o período de pandemia.”

Da Redação, com informações do UOL e G1.

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