No chão da fábrica | Mulheres da indústria bélica lutam por reconversão industrial

Rotina pesada, ameaças de redução salarial e demissão, e ainda assim na luta para converter a estatal de armamento para a produção de equipamentos hospitalares. Conheça.

Especial Dia da Trabalhadora, 1 de maio

Ana Clara, Agência Todas

Nesse primeiro de maio, trabalhadoras e trabalhadores metalúrgicos da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL) completam a segunda semana de volta ao trabalho, em plena ascensão da pandemia de Coronavírus no país. Eles estavam de licença remunerada, mas foram convocados de volta ao trabalho, dia 22 de abril. 

A IMBEL é uma empresa estatal ligada ao Ministério da Defesa que produz fuzis, pistolas, facas e armamentos para as Forças Armadas, localizada em Itajubá, interior de Minas Gerais. 

De volta ao trabalho e com o agravamento da pandemia no país, as trabalhadoras e trabalhadores lançaram uma campanha pela reconversão industrial da IMBEL, ou seja, para direcionar a produção para fazer respiradores, máscaras, leitos, equipamentos hospitalares. 

“Queremos que ela cumpra uma função social urgente, papel que toda estatal deveria estar voltada neste momento”, afirma Laís*, trabalhadora da IMBEL. (*identidade preservada)

O redirecionamento da produção é uma estratégia que vem sendo utilizada em outros países para enfrentar o Coronavírus. Montadoras como Tesla, Toyota, Ford e Mercedes se ofereceram para produzir equipamentos hospitalares nos Estados Unidos. Em Israel, uma fábrica de mísseis já produz respiradores. No Brasil, por enquanto, GM, Embraer e Senai estão sendo adaptadas para outras finalidades. 

 

ROTINA DE PRODUÇÃO

 

As ferramentas não param de passar de mão em mão, não importa o que aconteça. O banheiro único para mais de 50 trabalhadores não entra nas manchetes da recomendações sanitárias mundiais. E a única máscara oferecida pela empresa por pessoa é insuficiente para garantir o mínimo de segurança em uma fábrica de armamentos. Laís, 33, carrega a própria toalha para secar as mãos e adquiriu, por conta própria, mais máscaras para se proteger. Ela é metalúrgica e operadora de produção, trabalha em indústria há quase dez anos e tem uma rotina intensa de trabalho. O turno começa às 6 horas da manhã e termina às 17h30. 

Já antes da pandemia, sobrava pouco tempo para cuidar dos afazeres domésticos. Agora, de volta ao trabalho, em plena quarentena, o fardo do cuidado com a casa ficou ainda mais pesado. “Preciso lavar o uniforme e todas as roupas todos os dias, limpar mais a casa, trocar regularmente toalhas”,  relata. Laís calcula que o tempo com protocolo de segurança e cuidado com a casa aumentou, pelo menos, em uma hora a mais de serviços domésticos por dia, além do que ela já destinava.  

No chão da fábrica, o ambiente já é insalubre. O óleo mineral espalhado em todas as peças é propício para a cultura de bactérias. Em setores de tratamento superficial e térmico, o câncer de pulmão é um diagnóstico comum nos trabalhadores, por conta da exposição a gases tóxicos. “Tem aglomeração em tudo: desde o transporte nos ônibus, entrada e saída, o refeitório de almoço, no banheiro, na produção”, revela Laís.

Mesmo ao adotar todos os protocolos de segurança — uso de máscaras, lavar as mãos, higienizar produtos, a prevenção e o risco de contaminação ainda são enormes. 

“As peças passam de mão e mão, de um posto de trabalho ao outro. Impossível que não seja assim. As ferramentas são coletivas. Além da possibilidade de ficar doente, o terrível é saber que pode estar passando para alguém que mora com você ou algum parente próximo”, explica a metalúrgica.

 

 

Na Imbel, cerca de 70% dos trabalhadores recebem entre 1.300 a 1.450 reais, ou seja, a redução salarial de qualquer quantia já implica em cortes no acesso a produtos de subsistência mais básicos. Se as taxas de desemprego no país já eram preocupantes antes da pandemia, agora as trabalhadoras enfrentam um medo geral de perder o emprego

O receio é legítimo. A taxa de desemprego no país chegou a 13,1% entre as mulheres, enquanto a dos homens foi de 9,2%, no último trimestre de 2019. As mulheres também são maioria entre os inativos (64,7%) e desempregados (53,8%), de acordo com o IBGE. 

“O dilema é morrer de fome sem emprego ou morrer de Covid. Não há escolha, por isso seguimos trabalhando no limite. Além do medo da demissão, há o medo de redução dos salários”, aponta a operadora de produção. 

Além dessa preocupação, Laís aponta que os gastos aumentaram durante a pandemia, tanto por conta da diminuição da renda familiar, quanto da necessidade de maiores cuidados com higiene e alimentação, que geram gastos. Para quem ganha menos de dois salários mínimos, um botijão de gás a mais faz diferença no mês, três caixas de sabão em pó para lavar constantemente as roupas, álcool, sabonete, água pesam no orçamento. 

Em famílias com pessoas que podem ficar em casa, as contas de luz e água também aumentam. Então, o salário que já era curto para chegar ao fim do mês, acaba logo na metade. Isso significa fazer escolhas entre qual conta pagar ou o que tirar do carrinho de compras.

A tensão constante e o medo de contaminação, demissão e redução salarial também agravam a saúde mental dos trabalhadores e até prejudicam os planos para o futuro. Laís relata que é impossível fazer planos nesse momento, mesmo para quando a pandemia acabar.  

 

 

Laís faz parte de uma comissão montada, nesta semana, pelos trabalhadores e trabalhadoras da IMBEL. Eles entraram em campanha pela reconversão produtiva da fábrica, de modo que a produção seja destinada às necessidades de saúde pública. Entre outras reivindicações, estão licença remunerada e estabilidade no emprego; e redução de jornada de trabalho, sem redução de salários, aos trabalhadores que se voluntariarem a seguir trabalhando na produção de equipamentos hospitalares. 

 

Confira abaixo a terceira reportagem do Especial Elas Por Elas | Dia da Trabalhadora

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