Oposição reage a ataques de bolsonaristas à imprensa

Ato em defesa da liberdade de informação será realizado na próxima segunda. Membros de Legislativo e Judiciário partem em defesa de veículos de comunicação e jornalistas. Governo Bolsonaro foi incluído na lista dos ‘20 Predadores Digitais da Liberdade de Imprensa de 2020’ pela organização Repórteres Sem Fronteiras

Arte: Cris Vector

A conturbada relação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa chegou ao ápice. Nesta quarta (27), os líderes de todos os partidos de oposição na Câmara dos Deputados e no Senado Federal reuniram-se pela primeira vez desde o começo da atual legislatura, em fevereiro de 2019. Os partidos definiram uma estratégia contra sua escalada autoritária cujo ponto de partida será um ato com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em defesa da liberdade de imprensa, na próxima segunda, 1º de junho.

A escolha da liberdade de informação como primeiro valor democrático a ser defendido pelos partidos é um reflexo da agressividade crescente contra jornalistas promovida por Bolsonaro e seus áulicos. Nesta terça (26), o senador Humberto Costa (PT-PE) fez pronunciamento acusando-os de perseguirem órgãos de imprensa e jornalistas. Para ele, no atual governo não há respeito ao contraditório, não há convivência pacífica com a divergência e o presidente demonstra desapreço pela liberdade de imprensa e pela liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que desrespeita a Constituição e as instituições do Estado Democrático.

“Treze anos nós governamos o Brasil, com Lula e com Dilma e ali, naquele momento, o Brasil desfrutou da mais ampla liberdade de expressão, da mais ampla liberdade de imprensa e do tratamento mais técnico e democrático possível para a utilização das verbas de publicidade do governo federal”, lembrou o senador.

Costa considerou que a decisão de grandes veículos da mídia nesta segunda (25), de retirar as equipes de reportagem que faziam plantão na entrada do Palácio da Alvorada após sofrerem contínuas agressões, é mais uma prova do assédio aos profissionais.

No mesmo dia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também defendeu o papel da imprensa na democracia. Maia, que não citou o episódio da retirada dos setoristas, ressaltou a relação “constante e construtiva” do Congresso com a imprensa. “Porque todos sabemos o importantíssimo papel da imprensa livre, e dos profissionais de imprensa, na consolidação da democracia”, discursou.

As palavras do Legislativo repercutiram no Judiciário, e nesta quarta (27) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes foi ao Twitter definir como ” chocante” a decisão de suspender a cobertura no Palácio da Alvorada diante de riscos à integridade moral e física dos jornalistas. “O MP e o Judiciário devem investigar esses atos que, se existentes, configuram atentado grave à liberdade de imprensa”, defendeu Mendes.

Pouco depois, o colega de Corte Alexandre de Moraes afirmou que parece haver uma tentativa de “milícias digitais” de coagir a imprensa tradicional, o que fere a liberdade de imprensa e o direito da população de obter informação com isenção.

Morais se pronunciou durante o seminário ‘Liberdade de imprensa – Justiça e Segurança dos jornalistas’, realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com apoio da ESPM e da Faculdade de Direito da USP.

“A liberdade de imprensa não é construída por robôs, o que é construído por robôs são as fake news”, alertou Morais. “Não se pode censurar a liberdade de manifestação, de imprensa. Agora, as pessoas devem arcar com as consequências de seus atos. Não é possível que novas formas de mídia se organizem de forma criminosa, com finalidades de propagação de discursos racistas, de discursos discriminatórios, de ódio e contra a democracia e as instituições democráticas”.

No evento, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse que “o pilar da democracia é a nossa imprensa livre” e criticou a falta de segurança para jornalistas no Palácio da Alvorada. “Isso é gravíssimo, por si só fala sobre a gravidade do momento, e nós temos que estar organizados em todo o Brasil para defender concretamente perante o Judiciário aqueles que merecem essa defesa as liberdades, que merecem nossa vigilância”, avaliou.

“No dia que vocês começarem a falar a verdade, eu falo com vocês”, disse o chefe do Executivo. Logo que ele saiu, o grupo partiu para cima dos jornalistas, gritando palavras de ordem, palavrões e ofensas. Foto: Uesley Marcelino.

Hostilidade constante

Os militantes hostilizaram a imprensa em duas ocasiões na segunda. A primeira foi após Bolsonaro criticar a cobertura do governo. “No dia que vocês começarem a falar a verdade, eu falo com vocês”, disse o chefe do Executivo. Logo que ele saiu, o grupo partiu para cima dos jornalistas, gritando palavras de ordem, palavrões e ofensas.

O segundo episódio ocorreu no Ministério da Defesa, onde Bolsonaro almoçou com o ministro Fernando Azevedo. Novamente após a saída do presidente, o grupo bolsonarista, incluindo membros do acampamento “300 do Brasil”, passou a xingar os profissionais, enquanto alguns deles partiram para cima dos repórteres ameaçando agredi-los fisicamente. A Polícia Militar (PMDF) precisou intervir.

Diversas instituições foram a público pedindo que os agressores sejam identificados, e condenaram os ataques como graves atentados à liberdade de imprensa e à democracia. O Grupo Globo enviou carta ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, afirmando que seus profissionais “vêm sofrendo dia a dia por parte dos militantes que ali se encontram, sem qualquer segurança para o trabalho jornalístico”.

No momento do primeiro episódio, o GSI, que cuida da segurança em instalações da Presidência da República, foi informado dos ataques, mas não se manifestou. Só veio a fazê-lo na tarde do dia seguinte, quando emitiu nota oficial afirmando que “criou as melhores condições possíveis para o trabalho dos profissionais de imprensa”.

À noite, Bolsonaro mencionou o atentado sofrido por ele em 2018 para minimizar os ataques. “Estão se vitimizando. Quando levei a facada, não falaram nada. Não vi ninguém da Folha falando quem matou Bolsonaro?”, praguejou o presidente. “Se for pegar o número de horas que a Globo deu para Marielle Franco e para o meu caso, acho que dá 100 para 1, mas tudo bem”.

Escalada física

Em janeiro, um relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostrou que partiram de Bolsonaro mais da metade dos ataques a profissionais de imprensa no Brasil em 2019. Os insultos vão desde agressões verbais a repórteres, comentaristas e veículos de comunicação até a sistemática política de desacreditar a imprensa.

Nesta quarta (27), a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgou seu estudo trimestral sobre violações da liberdade de imprensa no Brasil este ano. Segundo a pesquisa, a estratégia de Bolsonaro é “manchar e minar os jornalistas e meios de comunicação que o incomodam”.

Os dados mostram que o presidente direcionou 32 ataques à imprensa nos primeiros três meses do ano, o equivalente a um ataque a cada três dias. Desses 32, 15 foram ataques diretos, 14 comentários desvalorizando o trabalho da imprensa e três casos de obstrução de conteúdo de veículos de comunicação. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, também ataca constantemente a imprensa. Segundo os dados, só em março foram 30 casos.

Em relação à estratégia de Bolsonaro de desacreditar a imprensa, destacam-se os casos de humilhação e desrespeito ocorridos em entrevistas coletivas em frente ao Alvorada. Segundo o estudo, ele também é responsável por assédios judiciais e econômicos, pressionando instituições estatais a se envolveram em sua luta contra os meios de comunicação.

Desde o início da crise do coronavírus, os ataques públicos se tonaram sistemáticos. Bolsonaro passou a considerá-la responsável por uma “histeria” destinada a gerar pânico no país. No domingo, 22 de março, declarou: “Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia na questão do coronavírus”.

Dois dias depois, ele fez um pronunciamento em cadeia nacional no qual reiterou a postura negacionista e acusou a mídia de criar um caos artificial: “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro chefe o anúncio de um grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso. Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhe pelo nosso país”, atacou.

Em 26 de março, provocou um grupo de jornalistas que o aguardavam do lado de fora do Alvorada. Dirigindo-se aos apoiadores, afirmou: “Atenção, povo do Brasil: esse pessoal diz que eu estou errado (ele aponta para os repórteres) e que você tem que ficar em casa. (Olhando para os jornalistas). Agora eu pergunto, o que vocês estão fazendo aqui? Voltem para casa!”.

“Essa radicalização e a intensificação de ataques à imprensa é extremamente preocupante”, declarou Emmanuel Colombié, diretor do escritório da RSF na América Latina. “O presidente Bolsonaro escolheu o inimigo errado, atacando, de novo, os mensageiros. Ele força os limites da irresponsabilidade um pouco mais a cada dia. Nesse período de pandemia, o chefe do Executivo federal certamente tem coisas melhores a fazer do que atacar os meios de comunicação, cujo trabalho de informação é mais vital do que nunca”.

Os atos de Bolsonaro passaram a ser interpretados como um estímulo à hostilidade pelo apoiadores, que já haviam atacado profissionais da imprensa em três ocasiões apenas neste mês. Em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, equipes de reportagem foram censuradas durante manifestação em apoio ao presidente na Praça dos Três Poderes. Houve agressões físicas, ameaças e diversos xingamentos contra vários profissionais.

Uma semana depois, apoiadores do presidente reviraram o lixo produzido por jornalistas no Palácio da Alvorada para tentar expor os profissionais. No dia 17, em outra manifestação, uma mulher atingiu a jornalista Clarissa Oliveira, da TV BandNews, com uma bandeira.

‘Predador digital da liberdade de imprensa’

O Brasil ocupa a 105ª posição entre os 180 países do Índice Mundial de Liberdade de Imprensa 2019 da RSF. Em março, o governo Bolsonaro foi incluído pela ONG na lista dos ‘20 Predadores Digitais da Liberdade de Imprensa de 2020’. O que deve ter enchido de orgulho um dos ídolos do ex-capitão, o general-de-divisão reformado Newton Cruz, protagonista de um episódio público de agressão a um profissional de imprensa já durante os estertores da ditadura militar.

Em 17 de dezembro de 1983, em meio à frustração pela não aprovação da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, das eleições diretas, várias cidades brasileiras se encontravam em Estado de sítio. Pressionado pela situação, Newton Cruz convocou uma coletiva de imprensa no intuito de “prestar contas à nação”.

Logo no começo da entrevista, o estrelado acusou a imprensa de noticiar mentiras. Também contestou o teor das publicações, alegando que os correspondentes de Brasília agiam de má-fé perante os governantes. Quando Honório Dantas, repórter da Rádio Planalto, perguntou sobre a falta de democracia no país, Cruz respondeu: “democracia é cumprir a lei”.
Incomodado com o gravador muito próximo ao rosto, o general pediu para falar enquanto Dantas o interpelava novamente. O jornalista respondeu: “Pode falar, general”, e ouviu como resposta: “Cale a boca, deixa eu falar e desligue essa droga”.

O repórter desligou o gravador e disse: “De minha parte, depois de ser empurrado pelo general Newton Cruz, me sinto muito honrado”. Cruz, que já havia deixado a coletiva, retornou e deu uma chave de braço no jornalista, em plena transmissão ao vivo da tevê.

“Peça desculpas, moleque”, obrigou-o a dizer. Dantas, sem escolhas, obedeceu. Não satisfeito, Cruz repetiu: “Não é assim. Diga eu peço desculpas”. O radialista repetiu a frase que a rede Globo exibiu à noite, no ‘Jornal Nacional’.

Newton Cruz foi chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI) entre 1977 a 1983, e do Comando Militar do Planalto. Em diversas ocasiões foi acusado de crimes cometidos ao longo da carreira, como a morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, denunciada pelo bailarino Claudio Werner Polila. O general negou envolvimento no homicídio e afirmou ter recebido informações sobre a identidade do suposto assassino, mas negou-se a revelá-las.

A triste figura de Newton Cruz e o lamentável episódio com Honório Dantas foram rememorados nas redes sociais no começou de maio, quando Bolsonaro mandou um “cala a boca” a um repórter depois de ser questionado sobre a sua almejada interferência na Polícia Federal. Pelo visto, Cruz fez escola entre os cadetes.

Da Redação

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