Pedro Castillo: Mulheres e os ventos progressistas da América Latina

O candidato de esquerda foi eleito no Peru com a pauta econômica de inclusão social em um país que se liberta do fujimorismo

Nesta semana, o candidato progressista, Pedro Castillo, filho de camponeses analfabetos, professor de escola rural e liderança sindical, foi eleito no Peru. Ele disputou o processo eleitoral com Keiko Fujimori, candidata conservadora de origens oligárquicas, filha do ex-presidente que governou o país nos anos 1980, Alberto Fujimori.

Com o lema “no más pobres en un país rico”, Castillo defendeu maior intervenção do Estado na economia e estímulo à industrialização via restrições ao livre comércio — práticas que desagradam o mercado. Apoiado em uma campanha pela educação e inclusão social, o candidato progressista contou com forte apoio de base popular.

Sua eleição trouxe à tona o debate sobre o “voto em mulher”, alijado do projeto político, social e econômico que a candidata representa. O voto em Keiko Fujimori não significaria um avanço na pauta das mulheres. Embora seja mulher, Fujimori representa os interesses da classe alta, do neoliberalismo e da estrutura acachapante que assola as mulheres trabalhadoras latino-americanas.

Vários movimentos e grupos feministas peruanos declararam que nunca votariam em Keiko.

Com uma agenda econômica mais inclusiva, o governo de Castillo cria possibilidade de melhorar a vida das mulheres.

Para falar sobre essa encruzilhada e as contradições do “voto em mulher” e do conservadorismo social no Peru, conversamos com a internacionalista, Flávia Chacon, formada na Universidade de Brasília (UnB), especialista em Gestão de Políticas Públicas pela Unicamp e mestranda em Estudos Latino-americanos também pela UnB. Atuou como assessora na Secretaria de Relações Internacionais do PT entre 2014 e 2020.

 

1)  O que a disputa no Peru nos ensina sobre a relação entre gênero e classe no processo eleitoral?

A disputa eleitoral peruana ocorre entre um candidato progressista filho de camponeses analfabetos, professor e liderança sindical e uma candidata conservadora de origens oligárquicas, filha de ex-presidente, com dupla formação nos Estados Unidos. Isso significa que embora Keiko Fujimori seja mulher, sua classe social também estrutura suas experiências e molda sua identidade. Essa interseccionalidade entre gênero e classe é elemento formador da complexidade manifestada da candidata e se reflete também na reprodução das desigualdades. Seu lugar enquanto mulher e de classe alta a garante a “indiferença dos privilegiados”, ou seja, coloca-a como privilegiada em relação às mulheres e, portanto, indiferente aos problemas das que estão em situação subalterna. Em síntese, o fato de ser mulher não a coloca em posição de defesa dos direitos das mulheres em sua totalidade.

 

2)  O lema do presidente eleito é “no más pobres enun país rico”. De que forma isso impacta a vida das mulheres, considerando o contexto e a realidade das latino-americanas?

As mulheres são as mais afetadas quando o assunto é pobreza. Somos historicamente responsáveis pelo cuidado, o trabalho não-remunerado estruturante do capitalismo. Acabar com a pobreza significa garantir renda a estas mulheres economicamente invisíveis e assegurar-lhes direitos, como acesso a uma alimentação de qualidade, educação, moradia, entre outros. Economicamente falando, já vimos isso ser feito no Brasil e replicado para tantos outros países no Programa Bolsa Família, no qual a cada R$1 gasto na transferência de renda para as mulheres chefes de família, mais de R$2 retornavam para a economia. Acabar com a pobreza passa necessariamente por assegurar dignidade às mulheres.

 

3)  Por que não há contradição entre apoiar um candidato de esquerda contra uma candidatA neoliberal?

São dois projetos distintos em disputa. O neoliberalismo está presente na América Latina desde o final do século passado e seus resultados foram devastadores: desemprego, pobreza, fome… O projeto de Pedro Castillo defende propostas antineoliberais. Trata-se de um projeto popular benéfico às mulheres, como aumentar o orçamento para a educação, redigir uma nova Constituição e defender e conservar o meio ambiente.

 

4) O que a eleição de Castillo aponta de tendência para o processo eleitoral brasileiro? E como as mulheres se inserem nesse contexto?

As eleições na América Latina costumam ser muito conectadas. Os ares progressistas correm a região, assim como as ondas neoliberais. Geralmente há um efeito nos países vizinhos, como houve no final dos anos 1990 e em meados da década de 2010. Assistir aos debates no Peru e acompanhar os argumentos levantados atualmente nos remetem certamente a eleições passadas no Brasil e provavelmente que se repetirão no próximo pleito. Provavelmente teremos também por aqui eleições polarizadas entre o progressismo e o conservadorismo, até o momento lideradas por dois homens, Lula e Bolsonaro.

Há de se levar em consideração que nós mulheres somos a maioria da população e a maioria entre votantes. Somos decisivas em um processo eleitoral em que a disputa estará entre a dignidade e a retomada de direitos, e um projeto que nos exclui e marginaliza. Não podemos nos calar e devemos exigir que nossa maioria numérica seja também expressa em políticas públicas que nos assegurem melhores condições de vida, acesso a emprego, educação e renda.

Da Redação, Elas Por Elas

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