Por decreto, Bolsonaro amplia militarização do Executivo

Decreto que facilita permanência de militares da ativa no governo desvia as Forças Armadas de sua função de defesa do país e ameaça a democracia

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Sob a gestão de um general, Ministério da Saúde se tornou palco de incompetência e escândalos de corrupção

Entrou em vigor, nesta quinta-feira (1º), o decreto de Jair Bolsonaro que aumenta a militarização do governo, ao permitir que militares da ativa ocupem cargos civis por tempo indeterminado. Até agora, o limite era de dois anos, só podendo ser estendido caso o militar fosse para a reserva. A medida transforma ainda cargos civis em cargos de natureza militar. Assim, passa a ser obrigatório que várias posições em órgãos como o Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia Geral da União (AGU) e o Ministério de Minas e Energia, e até mesmo empresas estatais, sejam ocupadas por militares.

Ao agir assim, Bolsonaro e aqueles que o apoiam patrocinam a militarização do Executivo, comprometendo o papel das instituições e ameaçando a democracia. Em primeiro lugar, o decreto é mais um estímulo à politização. E militares que atuam com motivações políticas não agem mais com disciplina nem respeitam a hierarquia, os dois pilares máximos de qualquer força armada do mundo. Em segundo lugar, a medida também amplia a sensação de que a entrada de militares no governo visa atender interesses pessoais e corporativistas.

O governo Bolsonaro tem se especializado em passar essas duas impressões à sociedade brasileira. Quanto à politização, o exemplo mais claro e recente foi a não punição do general Eduardo Pazuello após ele participar de um evento político ao lado de Jair Bolsonaro, algo proibido a qualquer militar da ativa. O Exército Brasileiro, porém, cujo comandante havia sido trocado pouco tempo antes por Bolsonaro, não só deixou de punir Pazuello como estabeleceu um segredo de 100 anos sobre o processo de investigação do caso.

Já a impressão de uma prática corporativista foi dada em diferentes circunstâncias. Aqui, lembramos duas: o caso das reformas previdenciária e administrativa, muito mais duras com o restante da sociedade do que com os militares (em especial os de patente mais altas); e a portaria do Ministério da Economia que permitiu aos militares com cargo no governo ganhar supersalários, elevando o ganho de alguns generais para mais de R$ 60 mil por mês. Isso sem mencionar os militares que ocupam cargos de direção em estatais e recebem, por isso, salários de dezenas de milhares de reais.

Outro exmplo de corporativismo é o próprio decreto que entrou em vigor nesta quinta-feira, como argumenta o líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), que apresentou projeto de decreto legislativo (PDL) que suspende a decisão do governo Bolsonaro em favor dos militares. Para Bohn Gass o decreto é uma “manobra infralegal para transformar a natureza jurídica do cargo de civil para militar e, desta maneira, permitir que militares da ativa ocupem cargos civis sem que percam a sua condição de militar e não conte o tempo do devido afastamento das atribuições típicas de militares, acumulando as vantagens da carreira militar ativa com os benefícios do cargo civil ocupado”.

Imagem deteriorada

A ocupação da Esplanada por militares em um nível nunca visto antes — são cerca de 6 mil — só tem ajudado a deteriorar a imagem das Forças Armadas, sobretudo do Exército Brasileiro. Basta lembrar que foi durante a gestão do general Hamilton Mourão no Ministério da Saúde, cercado de dezenas de militares em cargos de direção, que os mortos pela Covid-19 saltaram de 15 mil para quase 200 mil; que pacientes morreram asfixiados em Manaus por falta de ação do governo federal e que vacinas que deveriam ir a um estado acabaram despachadas para outro. O general deixou o ministério investigado tanto pela Polícia Federal quanto pelo Ministério Público Federal.

Agora, patentes militares começam a aparecer em denúncias de corrupção. Em maio, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, exonerou o coronel da reserva George Divério do cargo de superintendente do ministério no Rio de Janeiro, após denúncias de fraude em contratos na área da saúde. Outro exonerado, nesta semana, foi o tenente-coronel Marcelo Blanco, envolvido no escândalo da cobrança de propina para aquisição de vacinas. Para quem acreditou que os militares no governo se mostrariam mais competentes e honestos que os civis, a decepção deve ser grande.

Democracia ameaçada

Por fim, ao tomar medidas como este novo decreto, Bolsonaro cria uma ameaça à democracia. Um governo democrático requer diálogo entre setores com visões antagônicas e o máximo possível de transparência. Já a cultura militar, devido à natureza de seu real papel, que é a defesa do país, costuma ser fechada e dar mais valor ao segredo que à transparência, à obediência que ao contraponto.

Ao analisar para o site Brasil de Fato como a militarização do governo ameaça a democracia, a professora e pesquisadora Ana Penido ressaltou que militarização não é simplesmente encher um órgão de militares, mas levar para esse órgão valores, formas de organização e modos de funcionamento típicos do meio militar. “Quando a gente vê o Pazuello escondendo os dados da pandemia, é exatamente isso, ele está transferindo uma coisa que é comum no mundo militar, que é esconder as informações do inimigo”, observou.

Por isso, é importante relembrar o alerta dado pelo presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, quando o Exército decidiu ignorar a regra básica do respeito à hierarquia e à disciplina no caso do general Pazuello. “A partidarização das Forças Armadas ameaça a democracia e abre espaço para a anarquia nos quartéis. A grave situação do país exige das instituições respostas firmes para impedir retrocessos e quebra da ordem institucional”, afirmou. Tal declaração continua e sempre será válida em qualquer democracia.

Da Redação

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