Mar Vermelho: Por que menstruar na escola ainda é um pesadelo para as jovens?

O medo das garotas vai muito além do tabu e chama atenção para uma questão social de ser mulher no Brasil. Um problema que Bolsonaro vetou a saída.

‘Vai indo na frente, eu vou depois’, a estratégia clássica de ser a última a levantar da carteira, porque não sabe se o ‘mar vermelho’ vazou pela calça. Menstruar na escola ainda é motivo de constrangimento para as jovens brasileiras. São 7,5 milhões de meninas que menstruam na escola em todo Brasil, e elas carregam um fardo geracional de preconceitos como vergonha, impureza e desinformação sobre a menstruação.

Se já é um tabu para as estudantes, há aquelas que simplesmente faltam às aulas por não terem condições mínimas de higiene ou de comprar um absorvente.

Em 2018, a pesquisa financiada pela empresa Sempre Livre, revelou que 22% das meninas de 12 a 14 anos não têm acesso a produtos higiênicos adequados durante o período menstrual. Entre as adolescentes, entre 15 e 17 anos, esse número é de 26%.

Uma outra pesquisa, feita pela empresa Always, no Brasil, apontou que uma em cada quatro mulheres já faltou a aula por não poder comprar absorventes. Quase metade destas (48%) tentaram esconder que o motivo foi a falta de absorventes e 45% acredita que não ir à aula por falta de absorventes impactou negativamente o seu rendimento escolar.

Se considerarmos que a média de dias de fluxo é de 5 dias, as jovens podem chegar a perder até 45 dias letivos — prejudicando o desempenho escolar e aprofundando a desigualdade de gênero.

  

O silêncio da menarca.

Treze anos é a idade média que ocorre a primeira menstruação para as brasileiras. 90% das nossas jovens menstruam entre 11 e 15 anos, segundo dados da PNS de 2013.

Apesar dos avanços da internet e das tecnologias de informação, a menarca (primeira menstruação) ainda é um tema constrangedor para as garotas.

Uma entre cada quatro jovens não se sente confortável em falar sobre menstruação, e mais da metade (57%) das mulheres afirmaram que a primeira menstruação impactou sua confiança em si mesmas, apontou o estudo da Always. E quase 80% delas relatou ter buscado informações junto às suas mães, o que revela uma dimensão íntima e privada da questão.

Diante de todo constrangimento culturalmente construído, estão as jovens em idade menstruar pela primeira vez — um fenômeno que pode acontecer A QUALQUER MOMENTO e sobre o qual elas não têm controle algum.

O “amadurecimento” é um fenômeno desigual entre as jovens brasileiras que parte de diversas variáveis — da esfera pública, privada, familiar, regional, social, de classe, de raça, etnia. Muitas, por exemplo, podem menstruar pela primeira vez quando estão brincando, outras quando já estão trabalhando, e outras quando estão na escola.

Virou mulher? Corre para o banheiro

No caso das jovens que frequentam a escola, ter um banheiro em condições de uso é imprescindível para que a experiência mensal do mar vermelho torne-se menos constrangedora e impacte menos o desenvolvimento escolar.

No entanto, essa não é a realidade para todas as brasileiras. A distribuição espacial das escolas sem banheiro em condições de uso é sintoma de um Brasil desigual, aponta o relatório Livres para Menstruar, da ONG Girl UP. SP e DF, unidades mais ricas da federação, são as únicas em que o problema não existe. Os 4 estados em que a situação é pior estão no Norte ou Nordeste.

37% não tem acesso a sabonete

8% não tem acesso a papel higiênico

4% não possui pia ou não funciona

As meninas negras representam mais de 60% de cada um desses grupos.

 

Ninguém quer naufragar

Em uma idade que tudo acontece com tanta intensidade, é natural que esse seja um motivo de stress para a juventude. É natural recorrer a estratégias como:

> amarrar moletom na cintura (mesmo sob um calor infernal)

> ser a última a sair da sala

> arrumar desculpas para não ir à aula de educação física (se mexer muito, vaza)

> faltar às aulas

> esconder absorventes na manga da camisa ou no bolso da calça e checar a situação no banheiro periodicamente

> colocar papel higiênico (quando tem) para impedir o vazamento de fluxo (por falta de condições de comprar um absorvente, ou por vergonha de pedir)

> impedir que colegas mexam na mochila e encontrem um absorvente (considerado constrangedor)

Para as estudantes em situação de pobreza menstrual, os impactos são ainda maiores. A pesquisa da Always apontou que ao faltar às aulas, elas ficam para trás nos trabalhos escolares, deixando de participar de atividades que ajudam a aumentar sua confiança e habilidades (35%, por exemplo, deixaram de praticar esportes e sentiram muita vergonha pela falta de produtos menstruais na escola).

Contra o pesadelo, a esperança de um país mais digno para as mulheres

Neste mês, a deputada federal Marília Arraes, PT-PE, aprovou na Câmara e no Congresso a primeira legislação da história do país sobre o tema. No entanto, o presidente Bolsonaro vetou. O debate seguiu para o Congresso que pressionou pela derrubada do veto e Bolsonaro recuou.

“As mulheres parlamentares do PT estão pautando esse tema nas casas legislativas de todo país, desde o final do ano passado. É uma questão social que aflige as mulheres trabalhadoras, suas filhas e todas as pessoas que menstruam. Fincamos o pé na luta contra a pobreza menstrual e seguiremos intransigentes na defesa dos direitos das mulheres”, afirmou Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.

Ana Clara Ferrari, Agência Todas

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