Por que não vemos mulheres gordas na política?

Agnes Arruda, autora de tese sobre gordofobia, lança luz sobre esse preconceito e a relação com a mídia. Livro sobre o tema será publicado este ano.

Agnes Arruda, autora da tese "O peso e a mídia: uma autoetnografia da gordofobia sob o olhar da complexidade"

Ana Clara, Agência Todas

“Falta de perfil” é a razão apontada por 40% das mulheres para não se candidatarem a cargos eletivos. Esse é um dos resultados apontados pela pesquisa “Perfil da Mulher na Política”, realizada pela ONG #ElasNoPoder. O estudo abre um leque de reflexões sobre a falta de diversidade na política institucional brasileira. 

Se 40% das mulheres consideram que “não tem perfil”, a ideia que sustenta essa afirmação é de que há um “perfil adequado” no qual a maior parte delas não se encaixa. A partir desse diagnóstico, é possível atravessar as diversas camadas de preconceito que enfrentam as mulheres na sociedade com recortes de gênero, raça, classe, orientação sexual e o estabelecimento de um “padrão aceitável” de mulher para ocupar um cargo público. 

Esse “padrão aceitável” também diz respeito ao controle de como ‘deve ser’ o corpo de uma mulher que ousa ocupar um espaço de protagonismo político — tipo de cabelo, de rosto, de cor, de não deficiência e, principalmente, de peso

 

Gordofobia. 

 

Agnes Arruda, professora doutora em Comunicação, é autora da tese O peso e a mídia: uma autoetnografia da gordofobia sob o olhar da complexidade, uma abordagem que relaciona experiências pessoais, controle dos corpos e a mídia hegemônica. 

A pesquisadora  trabalha com elementos contemporâneos de veículos de comunicação como série, filme e novela a partir do método de autoetnografia, outra novidade para os debates e estudos das relações de gênero na sociedade relacionadas à gordofobia. Essa pesquisa será lançada em livro ainda este ano, pela editora Alameda. 

 

Essa tese traz uma discussão relativamente nova para o movimento feminista, porque, apesar do assunto ter ganhado destaque nos últimos anos, a gordofobia é pouco discutida mesmo dentro do próprio movimento — ou fica diluída em “polêmicas” nas redes sociais sobre como, por exemplo, ser ou não ser um “ato de resistência” exibir nudez feminina de corpos considerados padrões. Arruda acaba de lançar também o canal no YouTube Tamanho Grande para aprofundar e dar mais visibilidade ao tema. 

A pesquisa acadêmica “O peso e a mídia” comprova a íntima relação entre a gordofobia e os veículos de comunicação, em constante processo de retroalimentação, gerando um ‘apagamento’ da imagem de mulheres gordas em espaços de protagonismo.  

 

“Representatividade importa. Se a gente não tem mulheres gordas ocupando espaços midiaticamente, esse comportamento retroage socialmente. Então, elas não vão ocupar espaço na sociedade, não vão pra mídia e consequentemente não vão para a política. É um reflexo da realidade que a gente não vê mulheres gordas em lugares de protagonismo”, explica Agnes Arruda. 

 

 A partir de suas experiências pessoais, que também compõem a matéria-prima da pesquisa, a autora identificou a postura de hostilização da sociedade em relação às pessoas gordas em todos os espaços: em casa, na escola, no trabalho, atravessando a rua e até sendo abordadas por pessoa desconhecidas, de forma sutil ou agressiva. 

Essa postura, retroalimentada pelos veículos de comunicação, gera um processo contínuo de silenciamento, fazendo com que elas deixem de fazer determinadas coisas, de frequentarem determinados espaços e até de falarem com as pessoas, por receio de enfrentar preconceito e discriminação. 

“Por exemplo, a gorda que só veste preto. É o jeito dela ser o mais discreta possível para as pessoas não a notarem. Ou a história de não passar na catraca do ônibus, não caber na cadeira do cinema, as cadeiras plásticas de bar não comportarem nossos corpos.  Então a gente nem vai nos lugares para não ter que passar por esse desconforto”, explica a autora.

 

 

Participação política.

 

Agnes reforça que a gordofobia impacta negativamente na participação política das mulheres, porque constrói e intensifica a mensagem subliminar de que o espaço político não é feito para as mulheres gordas. Essa mensagem é reforçada diária e ostensivamente pela mídia, pela publicidade, pelos veículos de comunicação que retroalimentam esse comportamento social. 

“Cada mulher vivencia o preconceito de uma maneira diferente. As reações, as estratégias de enfrentamento, desvencilhamento são diferentes. Mas o principal mecanismo de defesa é não se apresentar aos deveres. É não se sentir capaz, não se sentir preparada. É dizer: não vão me aceitar. Esse ambiente não é para mim.”, pontua a pesquisadora.

Importante acrescentar aos apontamentos de Agnes, outros fatores apontados pelas mulheres além da “falta de perfil”, na pesquisa realizada pela ONG #ElasNoPoder. “Não está no foco”, “Desinteresse” e “Medo” figuram entre as razões apontadas pelas mulheres para não se candidatarem a cargos eletivos — uma demonstração inequívoca da reticência feminina em ocupar espaços sabidamente hostis. O próprio diagnóstico do estudo “Perfil da Mulher na Política” aponta a importância de atuar na ambição política das mulheres. 

 

Dados da pesquisa “Mulher Na Política”, da ONG Elas No Poder

 

“De fato, a política ainda é um espaço muito hostil para todas as mulheres e suas diversidades. O projeto Elas Por Elas nasceu justamente a partir desse diagnóstico. Queremos abrir as portas da política para ampliar a participação das mulheres, criando um ambiente mais justo, saudável, diverso e democrático”, explica Anne Karolyne, secretária nacional de mulheres do PT. 

 

Projeto Elas Por Elas

O protagonismo das mulheres em lutas políticas e sociais é histórico e está ainda mais evidente neste momento de avanço de pautas conservadoras e consecutivos retrocessos promovidos pelo governo Bolsonaro. O projeto Elas Por Elas, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Mulheres do PT,  tem por objetivo impulsionar a participação de mulheres na política e construir uma plataforma feminista para o Brasil. 

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