Artigo: PT e as eleições de 2020

Em artigo, o especialista em segurança pública e ciência da informação, Vladimir de Paula Brito, da UFMG, faz um balanço das eleições municipais de 2020. “É necessário ampliar o espaço de debate para não perder a capacidade de sintetizar as necessidades político-econômicas do conjunto da classe trabalhadora e dos setores médios da população”, escreve

Agência PT

Vladimir de Paula Brito

 

O Partido dos Trabalhadores obteve uma vitória tática limitada nestas eleições municipais de 2020. Obviamente vitória ou derrota pressupõe a análise de onde se está, de onde se vem e para onde se vai. No caso petista o contexto originário é de enfrentamento brutal por anos com parte das “elites” nacionais, sobretudo o ramo midiático, completamente atrelado aos interesses estratégicos internacionais.

O onde se está envolve, então, o fato de além de continuar existindo e lutando, o PT voltou as bases com seu mais precioso bem, seus militantes históricos, e conseguiu expressivas votações. Em um contexto turbulento com várias mudanças como as eleições adiadas, a primeira vez das regras em vigor sobre impedimento de coligações proporcionais, e o financiamento público. Tudo isso com um tempo de campanha muito reduzido, e em plena pandemia. Vale lembrar que as novas regras estimulam os partidos a terem candidatos, legitimamente, se quiserem continuar existindo com visibilidade.

Nas cidades com mais de 200.000 eleitores o PT não tinha nenhuma desde 2016. Agora ganhou 4 cidades importantes, vale ressaltar que Contagem/Minas Gerais possui o terceiro lugar no ranking do PIB no estado. Nas cidades menores, diminuiu presença. Mas vai governar mais eleitores que no período anterior. Não se obteve vitórias nas capitais disputadas no segundo turno, mas o partido foi ao segundo turno pelo voto popular e teve muitos votos, o suficiente para dizer que o PT tem legado e força popular para disputar a narrativa dos golpes que  sofreu desde 2016. Por conseguinte, manteve uma significativa parcela de sua votação em nível nacional.

No entanto, em que pesem os múltiplos desafios postos, percebe-se um intenso esforço por parte de amplos e variados atores em transformar vitória, mesmo que limitada, em derrota esmagadora. Mais uma vez a batalha das narrativas. Neste sentido cabem algumas considerações.

Primeiramente, Boulos não perdeu em São Paulo por falta de unidade na esquerda. Perdeu porque a correlação de forças na presente conjuntura ainda é pró-direita. O tal chamado a unidade, ao menos o que se pôde observar até agora, se traduz, na verdade, em conclamação pela retirada de candidaturas petistas em detrimento de outras forças da esquerda. Se o PT está na liderança das pesquisas o chamado é para que retire para o Ciro, sob o argumento de que somente este poderia derrotar Bolsonaro, se é o Boulos na liderança a reivindicação é a mesma, pelo motivo inverso, está na liderança das pesquisas.

Interessante notar que no Rio de Janeiro, onde o PT se dispôs a retirar a candidatura pelo Psol, sendo que o PDT não aderiu a empreitada, provocando a desistência da candidatura do Marcelo Freixo, nenhuma linha de crítica surgiu na grande mídia ou nos blogs engajados sobre o tema. Tão pouco sobre o apoio a Benedita no primeiro turno, o que contribuiu de fato para a ausência da esquerda no segundo turno. Tanto em São Paulo como no Rio a realidade fala por si mesma.

Curiosamente, parte da esquerda, e toda a direita, se unem em um balanço unânime sobre o PT e sua perda de espaço político. Talvez falte um certo horizonte histórico na análise. Em um breve resgate temporal, se nos mirarmos no Partido Trabalhista britânico, por exemplo, este esteve no poder brevemente em 1924, depois de 29 a 31. Depois tão somente na coalizão da guerra em 1940 a 45, elegendo Atlee em 1950. Depois de várias passagens nos anos 60, saiu em 1979 pra voltar somente em 1994, com Blair até 2010. Agora já se vão quase dez anos na oposição. Várias vezes perdeu uma enorme quantidade de acentos no parlamento. Assim são os fluxos da luta de classes e da disputa entre setores sociais. O mesmo exemplo histórico pode ser encontrado no Partido Socialdemocrata Alemão (SPD), bem como nos demais partidos de centro-esquerda pelo mundo.

As vezes os processos de retomada de consciência demoram, é necessária paciência histórica, e mudanças onde realmente são necessárias. Neste sentido, provavelmente parte dos eleitores da esquerda possam estar tirando as conclusões erradas desta disputa e do contexto recente.

Em sua histórica recente, o Partido dos Trabalhadores não errou ao lançar a “carta aos brasileiros” ou a negociar e incorporar o centro em seus governos. Na verdade este foi um grande acerto político. A classe média brasileira existe, mas é pequena em relação a população. Nos países onde é reduzida tende a se alinhar a direita, pois sonha ser elite, então necessariamente terá que existir um programa que dialogue com seus valores e pretensões, se a esquerda almeja de fato o poder pelas vias democráticas. A realidade política e composição social da população brasileira não irão mudar pela sensação de frustração por parte de alguns.

Claro que existem problemas. Ainda persiste um peso enorme do antipetismo no eleitorado, criou-se um preconceito na sociedade, vinculado à corrupção, que é resultante da vitória do discurso imposto pelas elites/extrema-direita. Antes o partido era criticado pela origem de classe, agora pela narrativa da corrupção. Outra questão são as lideranças. Partidos precisam de nomes, figuras públicas, o PT se renovou pouco. Verdade incontestável. A eleição mostrou que há espaços para renovação da vida partidária. Um outro importante aspecto são as novas e antigas realidades das condições trabalhistas brasileiras. Para além do processo de derrocada histórica das grandes categorias organizadas, como metalúrgicos, bancários ou o funcionalismo público, novas categorias entraram em cena, como os motoristas de aplicativo, ainda mais expostas.

É necessário ampliar o espaço de debate para não perder a capacidade de sintetizar as necessidades político-econômicas do conjunto da classe trabalhadora e dos setores médios da população. Neste sentido, provavelmente o principal erro do partido foi se dissociar de suas origens, pelos anos do poder, em que se observou um processo de adaptação. Esse fenômeno é difícil de ser evitado quando os quadros são poucos, e o desafio de governar enorme. \

Chegando ao pra onde se quer ir, as expensas do balanço atravessado sobre a trajetória petista, a grande tragédia pra classe trabalhadora será chegar em 2022 com uma plataforma auto proclamatória, isolacionista, e incapaz de compor uma rede de alianças que permita ganhar as eleições no segundo turno e depois governar. No contexto atual, se a candidatura da esquerda não for oriunda do PT e da reivindicação de seus acertos ao governar o país, podem existir dois problemas.

No caso do Psol ser o protagonista, terão dificuldades pra conformar alianças que permitam ganhar um segundo turno e depois poderem governar. Ao menos que a experiência nas prefeituras desloque o partido de lugar, o que os trariam de volta, na prática, para o campo petista.

No caso do Ciro Gomes, para além da trajetória política muito diversificada, o PDT, pós Brizola, são muitos. Basta nos lembrarmos que três candidatos a governador no segundo turno das eleições passadas apoiaram Bolsonaro.
O Partido dos Trabalhadores representa milhões de filiados e dezenas de milhões de eleitores. É um partido orgânico, com múltiplos fóruns e intensa vida interna. Tem o dever de apresentar uma plataforma que congregue a imensa maioria dos trabalhadores, setores médios e do empresariado progressista. Cabe buscar o desenvolvimento econômico, o combate à desigualdade e a defesa resoluta da soberania nacional, com fortalecimento da projeção do país ante todas as potências imperialistas.

Em momentos difíceis como o atual tendemos a querer a pureza das origens, quando lidamos somente com aqueles que pensam como nós. Feliz ou infelizmente o Brasil é um país gigantesco, com uma população enorme e muita diversidade econômica e cultural. Nos melhores tempos o PT elegeu cerca de 100 deputados e a esquerda 150. São 513 o total. Fazer alianças é fundamental, mas traz pro jogo político a negociação com vários atores, o que é desafiador. Se política fosse pra ser feita sem dialogo e acordos com outros recortes seria algo fácil de ser feito.

Igualmente necessário é reivindicar o balanço histórico vitorioso dos governos petistas. A leitura equivocada dos acertos e erros do PT poderá permitir não somente a leitura de derrota onde se deu vitória neste novembro de 2020, como dificultar a construção do palanque de 2022. E sobretudo, inviabilizar um novo governo do campo democrático e progressista que identifique realmente onde estão seus erros e acertos.

Doutor em Ciência da Informação pela UFMG e militante do NAPP Segurança Pública.

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