Sabotagem, “cemitério de vacinas” e meio milhão de mortos

Ex-braço direito de Pazuello, coronel Élcio Franco diz que incerteza sobre CoronaVac poderia criar ‘cemitério de vacinas’. “Deviam ter se preocupado com os cemitérios superlotados hoje”, respondeu Humberto Costa

Foto: Agência Senado

O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco foi desmentido sobre aquisição da vacina do Butantan: "não há intenção de compra de vacina chinesa”, disse o coronel, em outubro de 2020

A exemplo de outras oitivas com integrantes e ex-gestores do governo, o depoimento do ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco à CPI da Covid, nesta quarta-feira (9), foi abarrotado de mentiras, contradições e de narrativas para proteger e livrar Bolsonaro da responsabilidade pelo peso de quase 500 mil brasileiros mortos por Covid-19 no país. Ao tentar blindar Bolsonaro, Franco, coronel do Exército e ex-braço direito na gestão de Eduardo Pazuello, deu explicações pouco convincentes sobre a lentidão na aquisição das vacinas CoronaVac e Pfizer, a baixa adesão ao Consórcio Covax, da OMS, e a demora da Saúde na compra de kits intubação e cilindros de oxigênio para as redes de saúde de estados e municípios.

O ex-secretário começou mentindo ao afirmar que as tratativas para aquisição da vacina Coronavac junto ao Instituto Butantan nunca pararam em 2020, repetindo o depoimento de Pazuello e contrariando o que disse o diretor Dimas Covas. O senador Humberto Costa (PT-PE) interveio para exibir uma reportagem na qual o próprio Élcio Franco afirmava que “não há intenção de compra de vacina chinesa”. Mais à frente, a comissão exibiu o vídeo com a declaração do ex-secretário. “[A oitiva está] cheia de buracos, cheia de imprecisão. Então, não cola”, disse o relator Renan Calheiros (MDB-AL), que apontou pelo menos oito contradições.

Franco tentou desconversar, dizendo que se referia a imunizantes produzidos na China e que deixou claro que estava tratando com o Butantan e não com o governo de São Paulo. A declaração foi dada em outubro, na mesma semana em que Bolsonaro desautorizou Pazuello, afirmando que não compraria a “vachina”.

“A fala de Vossa Excelência é muito clara. O senhor disse, “não vamos comprar vacina de São Paulo, não vamos comprar a vacina do governador de São Paulo”. E no final o senhor diz “não vamos comprar vacina chinesa”. Será possível que é outra a vacina? Não é a do Butantan?”, questionou Humberto Costa.

“Cemitério de vacinas”

“Vossa Senhoria, o ministros Pazuello, vieram aqui fazer a mesma coisa: proteger o responsável por isso, que é o presidente da República”, denunciou Humberto Costa. O senador citou ainda uma justificativa de Franco para não fechar contrato com o Butantan antes porque havia incerteza quanto ao sucesso da terceira fase de testes, considerada muitas vezes “um cemitério de vacinas”, uma alusão a um eventual fracasso da imunização.

“Deviam ter se preocupado com os cemitérios superlotados hoje”, cobrou Costa, frisando ainda que o governo federal, à época da epidemia de H1N1, comprou vacinas um ano antes do início das imunizações.

“A verdade é essa: não se colocou um centavo no desenvolvimento da CoronaVac por razões políticas”, concluiu o senador, observando que 75% da população vacinada até agora recebeu doses do imunizante do Butantan mas que o processo poderia ter sido iniciado em dezembro.  “Quantas vidas teriam sido poupadas?”, questionou.

Pfizer

Franco negou ainda que houvesse incompetência da Saúde nas negociações para aquisição de vacinas da Pfizer, como definiu o ex-chefe da Secom Fábio Wajngarten, em entrevista à Veja. E reiterou que a Saúde manteve contato, apesar dos mais de 80 emails sem resposta enviados pela empresa. Muitos deles, segundo ele, com mensagens repetidas.

Após dar a risível explicação de que, por um problema na rede de comunicação do ministério entre 5 e 12 de novembro, a pasta foi impossibilitada de dar retorno, Franco reclamou de Carlos Murillo, atual presidente da Pfizer, pela falta de contato. “Carlos Murillo tinha meu telefone e poderia ter comunicado se houvesse algum gap nas negociações”, justificou.

Além de questionar Franco sobre o tratamento diferenciado do governo em contratos com a AstraZeneca e o Instituto Butantan, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) também questionou sobre os atrasos para o Brasil receber a Pfizer.

“Canadá, EUA, Israel, Reino Unido, União Europeia, China, todos apostaram no ‘cemitério de vacinas’, como disse Vossa Senhoria, e salvaram  milhões de vidas”, declarou Rogério Carvalho, lembrando que o contrato da Pfizer com os EUA foi firmado em julho de 2020.

A FDA dos EUA foi irresponsável? Nós não poderíamos ter feito, já que Pfizer estava tentando desde março, fazer o mesmo que foi feito com a AstraZeneca?”, questionou o senador.

Cloroquina

O ex-secretário da Saúde confirmou que foi tratado com cloroquina quando contraiu Covid-19 mas negou que o medicamento tenha sido comprado pela pasta para tratar a doença. Franco afirmou a pasta adquiriu o remédio para tratar malária mas foi interrompido por Rogério Carvalho.

“O presidente Jair Bolsonaro fez a propaganda da hidroxicloroquina e recebeu [a droga] dos EUA para tratamento da Covid-19”, esclareceu Carvalho. “Não podemos aceitar esse tipo de declaração mentirosa, reincidente, nesta CPI”.

Kits intubação

O senador Humberto Costa questionou o ex-secretário sobre a falta de kits para intubação em Manaus durante a colapso da saúde ocorrido em janeiro. Por falta de oxigênio, pelo menos 30 pessoas perderam a vida em apenas dois dias. Ao ouvir a justificativa de Franco de que isso é de responsabilidade de estados e municípios, foi novamente desmentido. Costa lembrou das responsabilidades do Executivo Federal durante situações de emergência, como a atual crise sanitária.

“Não estamos falando de tempos normais, e sim de uma emergência em saúde pública”, corrigiu o senador. “Tudo estava mais caro, tudo estava faltando, então tinha que ser o Ministério da Saúde a cumprir esse papel [de garantir insumos]”, apontou Costa, citando o Decreto 7.616/2011, que trata das emergências em saúde pública e determina que o papel da pasta é articular ações junto a estados e municípios para garantir o abastecimento das redes de saúde, por exemplo.

Costa lembrou que o TCU aponta, em seu relatório, que o Ministério da Saúde não cumpriu esse papel. “O Ministério da Saúde não cumpriu a sua responsabilidade, que era ter garantido oxigênio em Manaus, kit intubação para todos os lugares, e garantir vacina”, acusou.

Costa concluiu sua participação condenando Bolsonaro duramente pela estratégia da imunidade natural pela contaminação. “A tese da imunidade de rebanho é criminosa, e o responsável se chama Jair Messias Bolsonaro”.

“Este governo negligenciou medidas não farmacológicas, a compra de vacinas, a testagem, e agiu de forma temerária e dolosa, ao adotar a cloroquina como medida de controle sanitário para prevenir e tratar precocemente”, denunciou Rogério Carvalho.

Da Redação

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