Saiba por que vender a Eletrobrás é criminoso e traz risco de apagão

Nem nos Estados Unidos, o setor de energia está nas mãos da iniciativa privada. Venda da Eletrobrás, herança maldita do Golpe de 2016, fere a soberania e torna o Brasil vulnerável. Senado examina projeto

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Privatização é abrir mão de controle de recurso estratégico

A venda da Eletrobrás, herança maldita do Golpe de 2016, quando Dilma Rousseff foi retirada da Presidência da República por um impeachment fraudulento, é um crime contra o país e os interesses nacionais. A entrega do setor a investidores privados, tentada por Michel Temer e, agora, por Jair Bolsonaro, não é adotada nem nos Estados Unidos ou no Canadá, que preservam nas mãos dos Estado o controle da produção, planejamento e gestão do sistema de energia.

“Está em curso mais um crime contra o povo brasileiro e o futuro do nosso país. O alvo da vez é a Eletrobrás, que Bolsonaro quer vender a preço de banana, colocando em risco a soberania e a segurança energética do Brasil”, adverte o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto será examinado pelo Senado.

“Se esse crime não for evitado, a privatização da Eletrobrás vai também elevar consideravelmente as tarifas de energia, levando a conta de luz a fazer companhia aos preços abusivos do gás de cozinha, da carne e dos demais alimentos, que não param de subir”, denuncia Lula.

A ex-presidenta Dilma Rousseff também condena a iniciativa. “É preciso relembrar. No final do governo FHC, ao se iniciar a privatização da Eletrobrás, ocorreu uma forte redução de investimentos em novas usinas hidrelétricas e termelétricas, e ainda em em novas linhas de transmissão”, critica. “A consequência foi o imenso prejuízo sofrido pela população e pela economia do país com os ‘apagões’ que atingiram todas as regiões, exceto o Sul, e o terrível racionamento em consequência”.

Cerca de 60% dos ativos de energia elétrica no Brasil já foram privatizados. No segmento de transmissão, 85% das linhas são operadas por empresas privadas. Mesmo com este elevado grau de participação da iniciativa privada no setor, os planos de desinvestimento levados à cabo desde o Golpe de 2016 têm especial incidência no setor de energia.

Das 31 empresas subsidiárias privatizadas, 21 pertencem ao setor energético, sendo oito ligadas ao sistema Petrobras e 13 à Eletrobrás. Desde o golpe, foram vendidas a Amazonas Distribuidora de Energia (AM), Boa Vista Energia (RR), Eletroacre (AC), Cepisa (PI), Ceal (AL), Ceron (RO) e Celg-D (GO). Também privatizaram as usinas hidrelétricas de São Simão, Jaguara, Miranda, Volta Grande, localizadas em Minas Gerais e Goiás.

Crime contra o país

O governo Bolsonaro pretende viabilizar a venda da Eletrobras ainda em 2021. Trata-se de um crime contra o país porque fere os interesses nacionais e deixa o país vulnerável. Equivale a transferir para as mãos privadas a principal responsável pela geração de energia e pelo investimento do setor no Brasil, com as subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o maior operador de energia hidrelétrica é o Corpo de Engenheiros do Exército, que controla barragens como John Day, The Dalles e Bonneville, todas no rio Columbia. O segundo maior produtor de energia hidrelétrica nos EUA é o United States Bureau of Reclamation, uma agência federal que responde ao Departamento do Interior.

A opção pela venda do setor elétrico é um erro grave. O parque gerador da Eletrobrás compõe-se de 48 usinas hidrelétricas, 12 termelétricas convencionais a óleo, carvão e gás natural, 62 centrais eólicas, uma central fotovoltaica e 2 usinas nucleares. A capacidade instalada desse parque é de 51.143 MW, o que a torna a maior geradora de energia elétrica da América Latina.

Mais de 70% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas, e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado do abastecimento de água, da regularização dos rios e da irrigação etc. No mundo, Canadá, Noruega, Suécia, Venezuela e Brasil são os únicos países em que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em todos, a operação é feita por estatais. Se a Eletrobrás for privatizada, o Brasil será o único país a vender as suas hidrelétricas.

O desmonte do sistema elétrico

A tentativa do governo Bolsonaro de privatizar a Eletrobrás – anunciada aos quatro ventos pelo ministro Paulo Guedes ainda em 2019 – é similar à que ocorreu nos anos 1990 e que culminou na crise energética e no apagão de 2001. O atual presidente, Wilson Ferreira Júnior, diz que a Eletrobrás não é eficiente em nenhuma das suas operações. Uma declaração tão forte obviamente não reflete as mudanças positivas da companhia nos últimos anos, mas apenas legitima a nova “velha” estratégia em curso.

A atual crise, aliada ao alto endividamento da empresa – motivada em grande medida pelo pagamento de juros ao próprio governo federal – e a manutenção das tarifas a patamares relativamente baixos fragilizaram as condições da Eletrobrás. Com isso, sua dívida líquida de R$ 18,3 bilhões supera em mais de oito vezes sua geração de caixa. No entanto, o que se observa até o momento é a repetição da estratégia de desmonte como fica claro no Plano Diretor de Negócios e Gestão (2017-2021) apresentado pela empresa.

Novamente, o objetivo é fragmentar o sistema de energia e iniciar um amplo processo de privatização. Por isso, a primeira medida tomada a partir do Golpe de 2016 foi justamente acabar com as seis distribuidoras estaduais, incluindo-as no Programa de Parcerias e Investimentos. Nesse mesmo compasso, a empresa reduziu em 29% seus investimentos, de R$ 50,3 bilhões para R$ 35,8 bilhões.

Além disso, a empresa tem negociado as participações minoritárias da estatal. Atualmente, são 178 participações diretas e indiretas em companhias do setor, como nas usinas de Belo Monte, Jirau e Teles Pires. O objetivo é levantar algo em torno de R$ 20 bilhões. Ademais, os acionistas da estatal aprovaram a venda de participação (51%) da Celg Distribuição.

A Eletrobrás estabeleceu a privatização, a reestruturação dos negócios e a governança corporativa como prioridades estratégicas. A ideia é circunscrever as atividades da empresa apenas na geração e transmissão de energia. As distribuidoras foram colocadas à venda e a administração dos fundos setoriais, que movimentam cerca de R$ 30 bilhões, passou a ser feita, definitivamente, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), retirando da estatal a função de financiadora setorial.

Mais ainda, a empresa busca enxugar em 25% seu quadro de funcionários e elabora um plano de incentivo à aposentadoria para reduzir, no médio prazo, ainda mais o seu tamanho. Esse processo tem sido acompanhado também pela venda dos ativos imobiliários da empresa.

O desmanche dos programas

A política de desmanche da Eletrobrás implementada pelo governo Bolsonaro coloca em questão a eficiência de todo o setor de energia elétrica. A atual gestão da Eletrobrás decidiu que a estatal não tem mais obrigação em investir e manter o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) e o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica (Luz para Todos), nem de manter o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), o maior centro de pesquisas de energia elétrica da América do Sul.

Criado em 2003 pelo presidente Lula, o programa Luz para Todos atendeu 16,8 milhões de pessoas, que passaram a ter acesso à energia elétrica em regiões até então sem cobertura desse serviço público essencial. Além do acesso à energia, o programa movimentou a economia e gerou quase 500 mil empregos direitos e indiretos, ao utilizar 7,9 milhões de postes, 1,15 milhão de transformadores e 1,5 milhão de quilômetros de cabos elétricos – o suficiente para dar 38 voltas ao redor da Terra. Além do impulso ao setor de materiais elétricos, o programa beneficiou também a indústria e o comércio de eletrodomésticos, entre outros.

Tudo isso pode virar pó, pois o texto do novo estatuto da Eletrobrás estabelece que, se a União determinar investimentos em programas de governo, ela deverá ser ressarcida pelos cofres públicos. Além de extinguir o Luz para Todos, esta decisão afronta o artigo 173 da Constituição, que estabelece que os interesses coletivos e sociais são funções primárias de empresas estatais.

O Cepel atua há mais de 45 anos em vários temas estratégicos para o país como energias renováveis, eficiência energética e novas tecnologias, atendendo as empresas do sistema Eletrobrás e do setor elétrico nacional. O centro trabalha em parceria com universidades, desenvolvendo recursos humanos qualificados em toda cadeia produtiva do setor elétrico.

O Cepel é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, constituído sob a forma de associação civil. Aproximadamente 80% de seus recursos são provenientes das fundadoras do centro, a Eletrobrás e suas quatro controladas – Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul – e o restante oriundo de outras empresas associadas e de ensaios laboratoriais, projetos de pesquisa e serviços tecnológicos prestados a agentes do setor elétrico.

O desmonte da Eletrobrás visando a privatização da empresa é visto com preocupação pelos pesquisadores do Cepel, pois o centro é responsável pelo desenvolvimento de softwares que controlam a distribuição de energia em todo o país. Como o Brasil tem um dos maiores sistemas de energia interligados do mundo, é o equilíbrio da distribuição que permite atender todo o território nacional, já que os grandes centros do país ficam, em sua maioria, distantes das principais fontes de geração de energia, tanto hidrelétrica quanto eólica.

Outra área importante em que o Cepel atua é a do desenvolvimento com ensaios para a indústria em geral e para o setor elétrico. O centro faz testes com grandes transformadores de energia, para dar maior confiabilidade às estações de energia e linhas de transmissão, evitando perdas, para que as tarifas sejam menores. Segundo engenheiros da Eletrobrás, se um sistema de monitoramento do tipo desenvolvido pelo Cepel estivesse instalado nos transformadores da subestação do Amapá, o apagão de 22 dias poderia ter sido evitado.

Eficiência ameaçada

Criado em 1985 pelo governo federal e executado pela Eletrobrás, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) é voltado para o aumento da eficiência de equipamentos e serviços, para a disseminação de conhecimento sobre o uso eficiente da energia e para a adoção de hábitos de consumo mais conscientes.

O selo Procel de eficiência, encontrado em eletrodomésticos vendidos no mercado, é a face mais conhecida deste programa que contribui para postergar investimentos no setor elétrico, reduzir emissões de gases de efeito estufa e mitigar impactos ambientais, colaborando para um mundo mais sustentável.

O Procel também está sob ameaça a partir das alterações propostas para o estatuto da Eletrobrás. Ao desobrigar a empresa de investir no programa, perdem o setor elétrico, os consumidores e o meio ambiente.

Da revista Focus Brasil, da Fundação Perseu Abramo

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