Sem planejamento, volta às aulas pode contaminar 9,3 milhões

Debate sobre a retomada de aulas presenciais é marcado por obscurantismo e inação do governo Bolsonaro. Fundação Osvaldo Cruz alerta que 9,3 milhões de brasileiros do grupo de risco estão sob ameaça caso crianças e adolescentes voltem para as salas

Site do PT

Sem Ministério da Saúde e da Educação, governo insiste na volta às aulas

A incúria do governo Bolsonaro na administração da crise do coronavírus chega às escolas brasileiras, e a completa ausência de coordenação central em meio às discussões sobre a retomada de aulas presenciais pode agravar uma situação que já é calamitosa. Na estreia do programa ‘Rede em Defesa da Vida’, na TV PT, às 11h desta segunda (3), o senador Humberto Costa (PT-PE), a deputada federal Professora Rosa Neide (PT-MT) e o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) consideraram temerária a volta às aulas presenciais ainda em meio ao crescimento do número de casos e óbitos da Covid-19.

A discussão continua nesta terça (4), às 11h, na audiência pública da Câmara dos Deputados que discutirá o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19. O plano foi elaborado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e entidades científicas de saúde e bioética que compõem a Frente Pela Vida. A intenção da frente é construir um mínimo arcabouço de conhecimentos que permita minimizar os danos causados pelo desgoverno Bolsonaro nessa quadra histórica.

O neurocientista Miguel Nicolelis alertou, no sábado (1), para os riscos da medida. “Depois da Cloroquina, depois das aberturas fora de hora, o novo campo de batalha da Pandemia e Pandemônio no Brasil se volta para retorno das aulas presenciais em todos os níveis. E novamente a ciência é chamada para combater a total irracionalidade. Quem viver verá o resultado!”, disse o coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, o grupo criado pelos nove governadores da região para se defender da irracionalidade mencionada por ele.

E o que diz a ciência está expresso em análise da Fundação Osvaldo Cruz com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Laboratório de Informação em Saúde (LIS) da Fiocruz.

Segundo o estudo, a volta às aulas pode representar um perigo a mais para 9,3 milhões de brasileiros (4,4% da população) que são idosos ou adultos (18 anos ou mais) com problemas crônicos de saúde e que pertencem a grupos de risco de Covid-19. Isso porque eles vivem na mesma casa que crianças e adolescentes em idade escolar (entre 3 e 17 anos).

São Paulo é o estado com o maior número absoluto de pessoas nessa situação: cerca de 2,1 milhões de adultos e idosos em grupos de risco com crianças em casa, seguido por Minas Gerais (1 milhão), Rio de Janeiro (600 mil) e Bahia (570 mil). O Rio Grande do Norte é o que possui a maior porcentagem da população nesses grupos: 6,1% do total.

Para os pesquisadores do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz), o retorno da atividade escolar, que vem sendo anunciado de forma gradativa por vários estados e municípios, coloca os estudantes em potenciais situações de contágio. Mesmo que escolas, colégios e universidades adotem as medidas de segurança (e elas sejam cumpridas à risca), o transporte público e a falta de controle sobre o comportamento de adolescentes e crianças que andam sozinhos fora de casa representam potenciais situações de contaminação por Covid-19 para esses estudantes.

Se forem contaminados, esses jovens poderão levar o coronavírus para dentro de casa e infectar parentes de todas as idades que tenham doenças crônicas e outras condições de vulnerabilidade à Covid-19. Esse processo representa uma brecha perigosa no isolamento social que essas pessoas mantinham até agora.

Divulgado na nota técnica ‘Populações em risco e a volta as aulas: Fim do isolamento social’, da plataforma MonitoraCovid-19, o estudo alerta para o fato de que “a discussão sobre a retomada do ano letivo no país não segue um momento em que é clara a diminuição dos casos e óbitos e ainda apresenta um agravante, que é a desmobilização de recursos de saúde e o desmonte de alguns hospitais de campanha”.

Diego Xavier, epidemiologista do Icict/Fiocruz que participou do estudo, quantifica a escala de risco: “Nós estimamos que se apenas 10% dessa população de adultos com fatores de risco e idosos que vivem com crianças em idade escolar vierem a precisar de cuidados intensivos, isso representará cerca de 900 mil pessoas na fila das UTIs. Além disso, se aplicarmos a taxa de letalidade brasileira nesse cenário, estaremos falando de algo como 35 mil novos óbitos, somente entre esses grupos de risco”.

MEC não sabe quantos frequentam aulas virtuais

Em resposta a deputados federais divulgada nesta segunda, o Ministério da Educação informou que não sabe dizer quantos estudantes da rede pública estão assistindo a aulas pela TV ou pela internet durante a pandemia. No fim de junho, os parlamentares enviaram ofício ao MEC solicitando dados sobre o ensino a distância e a reorganização do calendário escolar após a interrupção das aulas presenciais.

O ofício, assinado no último dia 27 pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, se baseia em uma nota técnica da Secretaria de Educação Básica do MEC, onde consta que todas as redes estaduais de educação estão com atividades remotas. A nota usa como base o site do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Para os dados de alunos, o MEC recorreu a uma pesquisa sobre ensino feita pelo Consed e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), respondida por apenas 71% das redes municipais. Por isso, o ministério diz não ter dados suficientes para essa medição.

Um dos autores do pedido, o Professor Israel Batista (PV-DF) afirma que a falta de dados é “mais um capítulo da falta de gestão do MEC”. “Nessa pandemia, a posição do MEC foi de cruzar os braços. O MEC não fez levantamento de dados e não ofereceu apoio às redes estaduais e municipais para que elas o fizessem. Muitas fizeram, mas por conta própria”, afirmou o parlamentar ao portal G1.

Em 22 de julho, o Senado aprovou a medida provisória (MP) 934/2020, que suspende a obrigatoriedade de 200 dias letivos no ano de 2020 devido à pandemia. O projeto foi encaminhado à sanção presidencial.
Mas sob pressão dos empresários do setor, que estão indo às ruas em diversos estados para cobrar a volta às aulas, os governos tentam implementar um sistema hibrido de ensino, com escalas de dias na escola e de ensino a distância.

Nesta segunda, instituições de ensino na rede privada iniciaram a volta às aulas presenciais no Maranhão. Em São Luís, com poucas exceções, a maioria das escolas optou por começar a volta pelos alunos do terceiro ano do ensino médio. A volta às aulas presenciais ocorre em pelo menos 50 instituições de ensino privadas que fazem parte do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Maranhão (Sinpe-MA).

O Sinpe informou ter tomado a medida com respaldo do Decreto Estadual 35.897/2020. O decreto prorrogou a suspensão das aulas presenciais apenas até 2 de agosto, e não houve nova regulamentação, mesmo com o governo adiando, pela quinta vez, a volta das aulas presenciais em escolas estaduais, antes previsto para 10 de agosto.

A Secretaria Municipal de Educação de São Luís (Semed) informou que o retorno das aulas presenciais segue previsto para setembro, mas sem datas definidas. A pasta alega que a confirmação vai depender do cenário da pandemia e das orientações das autoridades sanitárias.

No Rio de Janeiro, professores das escolas particulares da capital decidiram manter a greve iniciada 6 de julho. Diante da possibilidade de retorno às aulas presenciais no município, os docentes dizem que não se sentem seguros para voltar às salas de aula, embora permaneçam atuando no trabalho remoto.

“Nenhum órgão de saúde que temos consultado nos assegura que o momento de retorno é esse. O número de casos de Covid-19 tem aumentado. No Rio está estabilizado, mas estabilizado em uma alta”, disse o vice-presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio), Afonso Celso Teixeira.

Professores rejeitam propostas de Covas e Doria

Em São Paulo, professores de educação básica se colocaram contra o PL 452/20, proposto pelo prefeito Bruno Covas, que dispõe sobre o retorno às aulas presenciais. O projeto foi aprovado em primeira votação na Câmara Municipal, mas nesta segunda, o secretário Municipal de Educação, Bruno Caetano, disse que o retorno das aulas presenciais na cidade de São Paulo segue sem data definida.

Em 16 de julho, o governo do estado anunciou que a retomada das escolas seria reavaliada, mas no dia seguinte manteve a volta às aulas para 8 de setembro. A maioria dos prefeitos do ABC Paulista decidiu que a volta às aulas presenciais na rede municipal só deve ocorrer em 2021.

Para o doutor em infectologia Hélio Bacha, médico do Hospital Albert Einstein e consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, “a epidemia em São Paulo não permite pensar em volta às aulas”. Segundo ele, sem vacina e nem medicamento eficaz, o isolamento social é a única medida efetiva de controle da pandemia. E a suspensão das aulas presenciais “é fundamental para manter a condição de isolamento eficaz”.

Segundo o governo estadual, a educação em São Paulo envolve 13,3 milhões de pessoas, entre estudantes, professores e outros trabalhadores. Esse total corresponde a 32% da população do estado. Bacha ressalta que é preciso considerar que todas essas pessoas vão circular também no transporte coletivo, nas ruas e, depois, voltar para casa.

“A presença de professores e alunos não diz respeito apenas ao prédio da escola, é uma ameaça a todos”, afirmou Bacha em audiência pública virtual realizada na última terça (28) pela Assembleia Legislativa, por iniciativa dos deputados petistas Professora Bebel e Emídio de Souza.

Professora Bebel, também presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), defendeu a necessidade de os prédios estarem adaptados para receber os alunos. Segundo ela, não se trata de um embate com o governo e sim da preocupação com a vida das pessoas que ali vão circular.

Emidio de Souza ressaltou que o governo Doria precisa ouvir os professores, estudantes e as famílias. “Não podemos aceitar que as decisões que envolvem a vida de milhões de pessoas sejam tomadas sem o mínimo de debate”, disse.

A deputada Professora Bebel protocolou ofício junto à OMS/OPAS denunciando os riscos da volta às aulas presenciais. No documento dirigido ao diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, é relatada a postura do governo do Estado de São Paulo frente à pandemia da Covid-19.

“A pressão econômica e o ano letivo não podem estar acima das vidas. O mercado quer a volta das aulas porque visam à economia, pensando que a pessoa pode voltar a trabalhar e colocar a responsabilidade da segurança e da saúde de seus filhos na escola, o que não é verdade”, comentou o médico infectologista Alexandre Motta Câmara.

Ex-supervisor do programa Mais Médicos e integrante do corpo clínico do Hospital Giselda Trigueiro, unidade de referência em doenças infectologistas no Rio Grande do Norte, Motta diz que o Brasil é um país que vive desgovernado, sem políticas nacionais de enfrentamento à pandemia e onde os dados mostram que a Covid-19 está bem distante de ser controlado.

“É difícil essa situação que estamos vivendo, porque o vírus é algo que você não vê e acredita que ele não está em alguns lugares, mas está! Nós temos um nó e não temos um norte. Não temos quem guie este navio para um porto seguro, não temos ministro da Saúde, não temos presidente e não temos política. Por isso nossos números de casos e mortes pela doença são tão altos”, afirma.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo, o debate de retorno às aulas é uma pressão dos empresários, que querem que pais e mães voltem a trabalhar e outros que querem que suas escolas abram logo para não perder alunos. A orientação da CNTE para seus sindicatos filiados é que se uma das medidas de segurança não estiver sendo executada pela escola ou pelo governo do Estado é para fazer greve.

“Nós defendemos a orientação da OMS para voltar às aulas com segurança e é preciso que haja controle sobre a contaminação e sobre o vírus. Mas para isso a gente sabe que precisa de financiamento e recursos, vontade política e um governo comprometido com a educação, o que não é o caso do Brasil”, afirma Heleno.

Na última terça (29), uma carreata chamada pela Apeoesp contra o retorno às aulas presenciais foi impedida pela polícia de chegar à porta do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo.

A bancada do PT na Alesp se solidarizou com os trabalhadores. “Não bastasse a falta de compromisso do governador Doria com as vidas envolvidas no retorno às aulas, os trabalhadores do Estado tiveram que enfrentar a truculência policial que impediu a manifestação dos participantes durante ato pacífico contra a retomada das aulas”, afirmaram os deputados estaduais em nota, que também defende a volta às aulas presenciais apenas após a epidemia ter sido controlada.

Da Redação

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