Silvio Melgarejo: Indisciplina dos dirigentes trava engrenagens da máquina partidária

O PT não funciona como determina o seu estatuto porque seus dirigentes não cumprem os deveres que o Estatuto lhes atribui

Tribuna de Debates do PT

Foto: Paulo Pinto/AGPT

A força de um partido está na unidade de ação dos seus membros. Para haver unidade de ação é preciso que haja organização e comando centralizado. Mas é tão impossível o Diretório Nacional do PT organizar e comandar diretamente a base de filiados do partido em todo o país, quanto o Estado-Maior de um exército organizar e comandar diretamente o exército todo, sem contar com uma cadeia de comando disciplinada atuando à frente de unidades militares menores.

Os exércitos mostram que a divisão do conjunto em um certo número de partes facilita a organização e comando do todo. Clausewitz, o general autor do clássico da literatura militar Da Guerra, diz que “não há como negar que o comando supremo de um exército (e o comando de qualquer força independente) será significativamente mais simples se as ordens só tiverem que ser transmitidas a outros três ou quatro homens”.

Um dos princípios básicos da administração de qualquer organização é o da divisão do trabalho, que se realiza como especialização, departamentalização e hierarquia da autoridade. No PT, a divisão do trabalho, estabelecida no seu estatuto, dá-se por dois critérios: o funcional e o territorial.

Da divisão do trabalho por função, decorre a departamentalização funcional do partido, que é a criação de departamentos especializados em atividades específicas. Estes departamentos funcionais são as secretarias de Organização, Finanças, Formação Política, Comunicação e Mobilização.

Da divisão do trabalho por território, decorre a departamentalização territorial, que é a criação de departamentos responsáveis pela atuação partidária em espaços geográficos determinados. Estes departamentos territoriais são as instâncias chamadas diretórios.

A divisão do trabalho gera também a divisão da autoridade de modo proporcional ao tamanho da responsabilidade assumida, dando origem a uma cadeia de comando chamada “hierarquia da autoridade” ou simplesmente “hierarquia”. A cadeia de comando ou hierarquia do PT materializa-se na sua estrutura verticalizada de diretórios, que são investidos de autoridade proporcional à abrangência territorial das suas jurisdições. De tal modo que a autoridade no partido fica distribuída entre diretórios de 4 níveis: o nacional, o estadual ou regional, o municipal e o zonal.

Todo diretório é, portanto, ao mesmo tempo, um grau da hierarquia partidária e uma jurisdição dentro deste grau hierárquico. A posição na hierarquia corresponde ao tamanho da jurisdição. Quanto maior a jurisdição, mais alta a posição hierárquica. E isto se materializa na seguinte relação entre os diretórios de diferentes níveis, estabelecida no artigo 17 do estatuto do PT:

“As instâncias e quaisquer organismos territoriais de nível zonal subordinam-se às instâncias de nível municipal, as quais estão subordinadas às de nível estadual, que, por sua vez, se subordinam às instâncias e aos organismos nacionais.”

Basicamente, portanto, a cadeia de comando do PT começa pelo Diretório Nacional, passa pelos diretórios regionais ou estaduais, em seguida pelos diretórios municipais e termina nos diretórios zonais. Concebe-se, por conseguinte, a unidade de ação do partido no país todo como a ação unificada dos diretórios regionais, sob o comando do diretório nacional; a unidade de ação do partido nos estados como a ação unificada dos diretórios municipais, sob o comando dos diretórios regionais a que estão subordinados; a unidade de ação do partido nos municípios como a ação unificada dos diretórios zonais, sob o comando dos diretórios municipais a que estão subordinados; e a unidade de ação zonal como a ação unificada dos filiados de base, sob o comando dos diretórios zonais a que pertençam.

Sobre a organização e condução de um exército, dizia o general Clausewitz que:

“Determinadas partes, como batalhões, esquadrões, regimentos e baterias são tratados como unidades que servem como blocos de construção para estruturas maiores que, por sua vez, formam o conjunto, dependendo das exigências do momento.”

Assim se constrói a unidade de ação nos exércitos para uma guerra e é assim que o PT pretende construir a unidade de ação dos seus membros para a luta de classes. Parafraseando Clausewitz, determinadas partes, como diretórios regionais, municipais e zonais, devem ser tratadas como unidades que servem como blocos de construção para estruturas maiores que, por sua vez, formam o conjunto, dependendo das exigências do momento.

As menores unidades partidárias do PT são os últimos elos da cadeia de comando do partido em cada região. Nas capitais com mais de 500 mil eleitores e nos municípios com mais de 1 milhão são os diretórios zonais. E nas capitais e municípios menores são os diretórios municipais. Estas instâncias são os blocos de construção, os tijolos que precisam ser forjados para comporem as estruturas maiores do partido, que são os diretórios municipais das grandes cidades, os diretórios regionais e o Diretório Nacional.

Fabricar estes tijolos para a construção do PT significa organizar e dar coesão à base de filiados destas instâncias. E esta é uma tarefa que compete exclusivamente aos dirigentes zonais e municipais, como pontas da cadeia de comando do partido, mediante o estrito cumprimento dos deveres políticos e administrativos que o estatuto do PT lhes atribui, o que vai depender, em boa medida, do estrito cumprimento de deveres, também previstos no Estatuto, pelos dirigentes das instâncias superiores, a que eles estão subordinados.

O cumprimento de deveres pelos membros dos diretórios de todos os níveis é condição fundamental para se garantir a organização da base partidária, o comando centralizado e a unidade de ação do partido nas disputas políticas municipais, estaduais e nacionais. Infelizmente, a disciplina na cadeia de comando do PT é extremamente frouxa e, por isso, o partido não funciona como deveria.

O estatuto do PT, concebido a partir de resoluções democraticamente aprovadas nos seus congressos e encontros nacionais, trata da questão da disciplina dos dirigentes e determina a punição dos infratores, estabelecendo, inclusive, as penas. Mas estas punições dependem de decisões políticas que nunca acontecem porque falta vontade política para tomá-las. Filiados já foram expulsos do PT por insubordinação política. Mas nunca houve um caso sequer de perda de função por negligência no cumprimento de deveres administrativos indispensáveis ao funcionamento de alguma instância. Historicamente, o PT tem sido absolutamente tolerante com estas negligências, que lhe trazem enormes e evidentes prejuízos políticos. É isso que precisa mudar o quanto antes.

A disciplina da cadeia de comando é fundamental para o adequado funcionamento do partido, para permitir que ele realize a sua democracia interna em plenitude e para permitir que ele tenha uma atuação nas ruas de amplitude e vigor proporcionais às dimensões da sua imensa base social, filiada e não filiada.

O PT não funciona como determina o seu estatuto porque seus dirigentes não cumprem os deveres que o Estatuto lhes atribui. A indisciplina dos dirigentes, simplesmente, trava as engrenagens da máquina partidária. E este é o maior problema do PT. Porque a melhor, a mais acertada política, não sairá nunca dos discursos se não houver um partido capaz de realizá-la. E o PT não será capaz de realizar política alguma que dependa de mobilização social se não funcionarem plena e permanentemente todos os seus diretórios, de norte a sul do país.

Por Silvio Melgarejo, professor de música, filiado de base do Rio de Janeiro-RJ, para

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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